Depois de enfrentar uma fila fora do comum no Norte Shopping para comprar ingressos no cinema em plena segunda-feira, eu e Nelson entramos na sala de projeção quinze minutos antes de iniciar Tropa de Elite 2 com o intuito de garantir um bom lugar. Menos de cinco minutos depois que sentamos, a sala já estava lotada. O filme, como todos sabem, é um fenômeno de bilheteria. Havia pessoas de todas as idades, cores e tamanhos ansiosas e empolgadíssimas para torcer pelo Capitão Nascimento.
Com poucas luzes ainda acesas, bem antes do aviso para que desligássemos os celulares, uma senhora que pertencia a um grupo de mais umas seis idosas e que por sua vez estavam sentadas na fileira em frente a minha, começou a tossir de tanto rir. As outras estavam bem agitadas também gargalhando. Eu estava atenta a observá-las. Um grupo de senhoras sempre me causa um certo desconforto. Fico logo imaginando que deve ser um bando de viúvas, morando sozinhas depois de uma vida dedicada a um lar movimentado com filhos e que agora estão todos casados e mudaram-se para outros Estados... e de repente, no meio dessas divagações devidamente discutidas na terapia que não está adiantando de nada, algo estranho aconteceu. A senhora que tossiu ficou em pé, agora séria. Olhava para o chão e parecia procurar algo.
- O que foi, Maria José? – Perguntou uma senhora com cabelo acaju.
- Shhshhshshs – cochichou Dona Maria José no ouvido da amiga que imediatamente se levantou também e começou a olhar para o chão.
Não demorou para todas aquelas senhoras estarem na vertical em pleno cinema. Havia uns meninos vestidos com uniforme da rede estadual de ensino sentados ali por perto, mais precisamente em frente a elas que, rapidamente, ofereceram ajuda.
- Tia, perdeu alguma coisa? – Perguntou um garoto alto e negro sentado à frente da senhora-acaju.
- Perdi mas não quero dizer o que foi. – Respondeu Dona Maria José.
- É melhor falar que eles ajudam, Maria José!- Aconselhou uma outra senhora que segurava um pacote grande de m&m´s ainda fechado.
Maria José ainda relutava em responder.
- Fala, tia! Quer ajuda? – Insistiu o outro de cabelo cheio de trancinhas tererê.
- Perdi o pivô.- Disse Maria José envergonhada, mostrando para as velhas amigas e para os meninos um buraco entre os dentes.
Dito isso, as amigas com a ajuda dos meninos de uniforme imediatamente intensificaram a busca naquela penumbra que fica as salas de cinema antes do filme começar.
- O que está acontecendo? – Perguntou uma menina da minha idade sentada logo atrás de mim.
- Maria José perdeu a dentadura. – Respondi no reflexo.
Os meninos, nessa hora, estavam todos tentando iluminar o chão com a parca luz de três celulares juntos.
- Pede pro lanterninha iluminar! – Gritou a menina atrás de mim se compadecendo com o problema de Maria José e revelando que não era tão menina assim.
- Que lanterninha? O que é isso? – Interpelou um dos meninos de uniforme lá na frente para a infeliz que não sabe que lanterninha é coisa do tempo dos dinossauros.
- O que está acontecendo? – Perguntou o senhor atrás da menina que não era menina droga nenhuma.
- A senhora ali perdeu a dentadura. – Respondeu um moço com um saco enorme de pipoca duas cadeiras à esquerda da meninossauro.
- Achei! – Gritou o rapaizinho alto de uniforme. – Ah não, era pipoca... – Lamentou-se em seguida.
Por um momento, aquela busca me lembrou o resgate dos 33 mineiros. Vários celulares iluminavam do alto o cocuruto das senhoras que olhavam por debaixo das cadeiras. E o mundo inteiro, a essa altura, já acompanhava o desespero daquela senhora com o sorriso pra lá de comprometido. O filme quase para começar... A pouca luz que tínhamos ia acabar em instantes!
- Deixa pra lá. – Falou Maria José meio descontente e perdendo as forças.
- Desiste, não, tia! Esse troço é caro a beça! – Aconselhou o menino que não sabia o que era "lanterninha".
- Não, tia, desiste não! A senhora é brasileira! - Esbravejou um patriótico aluno da rede estadual.
- Vê se melhora. – Falou firme um rapaz bem vestido que veio lá detrás com um celular super bombado que apertando um botão durante três segundos se transformava numa lanterna hiper potente.
Não sei quanto quantos minutos se passaram, mas sei que foram tensos. Estávamos todos com os pescoços esticados com medo das luzes se apagarem e Maria José ficar sem o dente que custou os olhos da cara, como lembrou a senhora-m&m´s.
- Achei! – Vociferou feliz a senhora de cabelo acaju levantando bem alto um dente com um pino para todos verem que, dessa vez, não era alarme falso.
Todos do cinema, nesse instante, aplaudiram, ovacionaram, eu até dei um abraço forte no Nelson! Um menino que estava com mão cheia de pipoca, com aquela gritaria e batelança de palmas jogou as pipocas para o céu, certamente agradecendo aos deuses por aquele sufoco ter acabado. A amiga de Maria José, feliz da vida, abriu, finalmente, o m&m´s e começou a oferecer para todo mundo. Enfim, um negócio assim de doido e muito bonito de se ver!
- Já valeu o ingresso! – Gritou Nelson emocionado aplaudindo.
Daí, as luzes começaram a se apagar, o filme começou e bem, foi aquilo que todo mundo já sabe.