sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Quando a Imaginação é Mais Importante que o Conhecimento


Quando se convive com uma pessoa durante muito tempo conseguimos às vezes saber exatamente o que se passa na cabeça do indivíduo que tanto nos acompanha; outras vezes não fazemos nem ideia e, como estamos falando de dois seres, essas situações podem acontecer simultaneamente. Foi exatamente isso o que ocorreu entre mim e meu excelentíssimo marido há um mês atrás.

Estávamos na casa de minha sogra em Mangaratiba nos preparando para dormir. Eu não gosto muito de passar a noite lá porque a casa fica perto de muito mato, colada  numa reserva da mata atlântica e onde tem mato tem muitos bichos esquisitos com asas que ao entardecer cismam em nos visitar.  Mas no dia seguinte partiríamos para Ilha Grande com as crianças e a barca sai dali pertinho. Eu estava no quarto com Yuki e Nara que já estavam ressonando. Cômodo fresquinho. Ar condicionado no máximo. Eu estava calma. Serena. Deitada. Com o livro de Zélia Gattai nas mãos. De repente, Nelson coloca só a cabeça para dentro e com os olhos esbugalhados fala:

- Não abre esta porta por nada nesse mundo! – E a fechou em seguida me deixando só de novo com as crianças naquele compartimento gelado.

Levantei-me jogando a Zélia pro alto e abri a porta sem demora. Mantive as pernas bambas dentro do quarto e usei somente o rosto para me certificar do que estava acontecendo lá fora.

- Eu não falei para você não abrir? - Rugiu Nelson ainda com os olhos saltando das órbitas ao me ver com a cara assustada no corredor. Empurrou meu rosto para dentro e fechou inutilmente a porta mais uma vez.

Coloquei a boca numa abertura segura de três centímetros.

- O que está havendo? – E imediatamente posicionei minha pupila na brecha agora de meio centímetro. Nelson se aproximava nervoso.

- Me obedece, mulher! Fecha essa porta! – Bramiu rabioso com a minha indisciplina fantasiando uma esposa menos curiosa e mais obediente.

 Pela fresta eu vi, com a metade de um olho, Nelson com uma vassoura na mão.

- É bicho? – Perguntei com a voz embargada.

Nelson devia estar querendo me proteger e com receio de que eu desmaiasse, acordasse os vizinhos ou tivesse um piripaque devido a minha insectofobia crônica agia daquela forma bronca. Se ele respondesse sim, é bicho, eu teria fechado a porta e trancado com chave. Na hora! Mas não...surtou.

- É tudo! É tudo!!! Fecha a porta! – E mirou com um misto de ódio e pânico um ponto fixo na sala.

Do meu referencial não era possível ver o que ele estava focando sem piscar. Os nossos campos visuais sofriam a intersecção de uma quina de corredor. Também não era louca de sair dali. Já estava toda arrepiada só de pensar... mas, o que é tudo? Como assim tudo??? Essa resposta foi muito esquisita.

- É réptil? – Indaguei visualizando mentalmente uma perereca.

- É tudo! É tudo!!! Entra, mulher!!!! – Replicou sabendo que eu tenho o maior nervoso de anfíbios. Ele realmente estava muito preocupado em preservar a minha paz já inexistente com aquela resposta insana.

- É inseto? É um besourão??? – Interpelei ao me certificar com meu olho esquerdo grudado numa brechinha de nada  que ele estava com a vassoura numa mão e agora com um baigon preto na outra.

Mas por deus! Será que esse homem acredita que se ele não descrever claramente o que está vendo eu vou me acalmar?

- Fecha a pooooooorrrtaaaa! – Bramiu incisivo enquanto sumia por completo do meu campo visual.

Eu obedeci apavorada imaginando meu marido lutando com um bicho muito estranho. Ouvi um barulho seco. Era o som que a vassoura faz quando encontra o chão com muita velocidade e fúria. Mais barulhos de móveis caindo. Dei mais alguns segundos. A minha mão na maçaneta estava só esperando o sinal verde vindo de fora, porém, antes que ele fosse dado eu abri a porta e saí mais branca que ovo  bem cozido.

Nelson estava no banheiro dando descarga com cara de nojo. O bicho estava indo embora e eu fui correndo olhar a aberração. Quando mirei o fundo do vaso o nível da água já havia começado a subir.

- O que era, afinal? Um insetão? Um réptil? Mamífero?- Eu também tenho um pouco de medo de ratos. Nelson sabe disso. -Você está bem? – Preocupei-me ao ver a testa brilhosa de meu herói.

- Era tudo! Tudo!!! – disse balançando a cabeça como se dissesse não. – Vamos dormir. – Delirou.

Fui para o quarto. Esperei ele arrumar a bagunça na sala, tomar mais um banho e se deitar ao meu lado. Sabia que seria complicado obter um esclarecimento dos fatos. Nelson tem essa mania de achar que é melhor eu não saber das coisas para eu não sofrer. Ele acredita realmente que eu padecerei menos na escuridão.

Não poderia mostrar muita ansiedade. Em outras situações isso só piorou.

- Meu amor, se você não me falar o que é, eu vou imaginar o pior! – Disse com a voz mansa fazendo cafuné na cabeça rala de meu protetor que acabara de se deitar ao meu lado.

- Era o pior!!! O pior!!! - Replicou imperioso e sem se deixar seduzir pelos meus gestos.

- Caramba, homem! – Impacientei-me. - O que é um bicho que é tudo? Réptil, inseto e mamífero? – E continuei achando que havia falado todas as classes dos animais. - Caraca, Nelsu! Larga de ser chato! Se coloca no meu lugar! Eu não vou deixar você dormir enquanto eu ficar imaginando você lá fora lutando com um orangotango!

Perdi além da paciência o vocabulário e devo ter perdido também todas as aulas de ciências na vida. Nervosa eu sou assim. Raciocino menos do que quando estou fazendo jump. O ponto digno de nota é que muitas vezes meu marido sabe exatamente o que estou pensando e por conta disso, duas coisas acontecem: ele nem se dá mais conta das minhas gafes e fica fazendo esse tipo de coisa achando que é o melhor para mim. Afe.

Mas dessa vez, eu e meu tom de voz o convencemos a esclarecer o que de fato ocorrera ali fora.

- Tá bom. Tá bom, mas depois não reclama! – E sentou-se na cama olhando-me assustado. - Era uma barata desse tamanho! – Exclamou usando as duas mãos para que eu visualizasse o tamanho da criatura. – Satisfeita?

Não. Padeci à luz da verdade.  Não dormi visualizando aquele inseto caseiro ortóptero com as dimensões de um cachorro. Antes ele tivesse me contado como foi a briga com o ornitorrinco. Parece que nem me conhece...



24 comentários:

  1. A imaginação do Franz Kafka rendeu uma história a respeito do inseto, que ficou famosa. Rendeu também a história sobre uma toupeira objeto de uma fortuna crítica admirável.
    Outro.
    Outro escritor japonês escreveu: EU SOU UM GATO - chamava-se SOSEKI, NATSUME e recebeu a homenagem de ter o seu rosto estampado na cédula do país de origem.
    Mas nenhum deles teve o humor que você imprimiu na sua história. Meus parabéns com beijos, também com muito bom humor.

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  2. Quando vc disse que ele estava com uma vassoura e com um baigon eu já descobri que era uma barata. Depois a descarga e a cara de nojo só confirmaram a minha suspeita. Esse negócio de saber o que o outro pensa acontece comigo e com o Sérgio direto. O problema é que eu sempre sei o que ele pensa e ele nunca sabe o que eu penso. beijos.

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  3. Comecei a rir no início e ainda não parei.
    Excelente narrativa numa precisão impecável.
    Mesmo quem não conhece a famosa insectofobia pôde visualizar perfeitamente a cena.
    Com certeza, um dos mais divertidos textos seus.
    ADOREI!

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  4. Djabal! Super dez saber que vc se divertiu! Beijo

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  5. Ta,

    Eu cheguei a desconfiar mas fiquei bolada quando ele disse que " É tudo! É tudo!!!" . Isso desviou meu pensamento para o "orangotango". :-) Beijo

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  6. Nelson,

    Pior que só fomos nos tocar que eu havia falado tudo errado seis (!!!) dias depois. Se esse vento não tivesse sido soprado, esse texto não teria saído.

    Que bom que vc gostou!

    Beijo

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  7. Even don´t understanding portuguese that much, i realy have fun knowing about this moment! And this all because a cockroach?! hahahh

    kisses elika!

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  8. John,

    You were there at the Greuza´s house and there´s many bugs with wings overnight. I´m afraid of insects!!! So for me it is not "just a cockroach". This is my worst nightmare!

    :-)

    Kisses

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  9. Oi, Elika,

    Agora sim! Voltou a Elika divertida e criativa!
    Beijos, Elise.

    p.s. Só reveja as normas gramaticais, porque tenho quase certeza de que não existe "entre mim e ele".

    Beijos Elise

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  10. :-)

    Que bom que gostou.

    Mas eu vi um erro que tentei corrigir. Lá em Mangaratiba a casa fica bem colada com uma reserva da mata atlântica, perto de mato e a noite tem bicho de tudo quanto é jeito. Como a casa é meio longe de tudo nunca nunca nunca vimos barata ali. O meu pesadelo.

    POr isso quem estava lendo pensava logo em barata e eu nem pensei em barata na hora lá que tudo estava acontecendo.

    Beijo

    LK

    PS. eu dei uma sondada no entre mim e ele , tb achei estranho, mas o certo é isso mesmo.

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  11. hahahahhahaha
    Ri demaais, muito divertido..
    Eu imaginei vc nessa cena, deve ter sido
    bem comico, rs.
    Parabens pela narrativa, otimo texto.

    Um beijo =D

    Thiago Sardo

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  12. Ri muuito com o texto ! e agora tá explicado de onde vem o medo de baratas do meu namorado ! haha

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  13. Thiti!

    Demorei 3 dias fazendo este até ficar do jeito que queria. Se vc riu e se divertiu o meu objetivo foi alcançado.

    Beijo

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  14. Nath!

    Pois é...estraguei todos os três. =P

    É mais forte que eu, infelizmente. E meus filhotes pensam que reagir com pânico é o normal... :-P

    Beijos e tenha paciência com a gente. :-)

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  15. auhsuhasuhuashuahsuahsuahs
    Elika, sinceramente, se era uma barata com dimensoes de um cachorro provavelmente eu desmaiaria...ahahahahahhahahahaha
    mas a historia de um ornintorrindo tbm seria legal.
    beijoos

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  16. Ingrid!

    Que bom vc por aqui. Encontrei uma amiga neste final de semana que me pergutou " vc sabe por onde anda a Ingrid?" . Ela disse que vc estava sumida e tem postado pouco.

    :-) Ninguém manda ser boa no que faz.

    Beijos

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  17. Prima,

    História fantástica. A gente vai sendo conduzido para dentro da cena.Suas crônicas são leitura obrigatória aqui em casa. Muita saudade.

    Marcos

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  18. Primo,

    Vc andou "sumido", pensei que tivesse se cansado das minhas tagarelices. :-)

    Bom te ver aqui.

    Saudades tb.

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  19. Desde o início eu sabia que era uma barata.
    Evidências:
    1 - Seu marido tnm estava com um certo medinho/nervosinho não sei bem...mas que tava, tava; Talvez se fosse um assaltante ele entrasse no quarto já dando uma voadora e um matrix..mas uma barata mega evolída..vai saber..
    2 - Vassoura na mão. Comprovado cientificamente que homens pegam vassoura e baigon enquanto mulheres pegam o chinelo ou correm.

    Ri um bocado, viu!

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  20. Ok, mocinha

    Bom que diverti um pouco quem me diverte a vera sempre.

    Nos encontramos por aí.

    Bjs

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  21. Elika, aqui é Yasmin, pra quem vc deu aula lá no 1º ano no Pentágono, da turma do Thiago Sardo, não sei se vai lembrar.. Então, vi a sua divulgação sobre seu blog no facebook(que voltei a usar ontem, por sinal) e passei pela 1ª vez pra dar uma espiada .. Só me arrependo de uma coisa: nao ter vindo antes! Adorei a crônica, primeiro pela forma como escreve, depois pelo tom de humor e mais, por vc usar fatos do seu dia a dia, é sobre a sua própria vida..adorei isso! Quanta verossimilhança! Retornarei, com certeza. Beijos ... :)

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  22. Yasmin! Claro que me lembro de vc, sua boba! Que bom que vc veio me visitar!

    POis é...minha vida é um blog aberto. :-D

    Beijo e apareça mais vezes!

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