
No final do tratamento, algumas histórias para contar.
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- O que é isso? - Perguntei apontando um côco com um canudo minúsculo de madeira meio achatado.
- Sabe não?- Respondeu o baiano com o maior sotaque de baiano.
- Sei não. - Saiu a resposta meio assim sem querer.
- É pra fumar maconha. Vou lhé éxplicar como sé usa.- E dito isso o baiano pegou um baseado apagado.
- Carece não, moço. Eu não fumo. – Disse em baianês claro, já arrependida de ter perguntado.
- Mas deixa eu lhé éxplicar para a senhóra aprénder.- Disse o baiano pegando o côco em slow motion.
- Mas eu não vou usar! - E comecei a me afastar do baiano maconheiro com medo de ser presa.
- O nóme disso é côco lôco - Continuou o rapaz lentamente. - A gente énfia o baseado aqui, énfia o canudo no côco, e a fumaça fica présa. Assim, senhóra, ninguém sénte o cheiro, éntende o que estou a lhé dizer?
- Sim, perfeitamente, obrigada. - e comecei a ir embora.
- ... – Desesperei-me em silêncio.
- Eu estou lhé explicando isso, senhóra, tenha médo não, mas é que se a senhóra ver alguém com isso vai saber o que está acontécendo. - Justificou calmamente o soteropolitano.
- Obrigada.- Agradeci depois de ter refletido sobre preconceitos e medos precipitados. - Côco-lôco. Aprendi.
Agora estou espertinha.
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Voltando para o hotel de táxi imunda, suada, morta de tanto andar, o motorista resolveu puxar assunto:
- A senhóra é daqui não, acértei? - Cutucou-me o motorista.
- Sou não. - Saiu a resposta, de novo, meio assim sem querer.
- Da onde a senhóra veio? - Insistiu o motorista.
- Vim do Rio. - Respondi simplesmente.
- Cónhéço. Ja tive em cópacabana. Fui lá fazér um biscate. Vénder chinélo. Déu certo não...- Estendeu-se o motorista.
- Mas é bonito o Rio, não? - Desvencilhei-me friamente de uma longa história contada em câmara lenta.
- Bónito é. Mas o próblema é que o Rio tem muita subida. Diférénte daqui. - Disse o motorista olhando pro horizonte como se ele (o horizonte (ou o motorista mesmo)) estivesse bem distante.
- Hum hum. – Concordei rápido. Apreensiva com aquela meditação toda repentina no meio do trânsito.
- Aqui não. Aqui em Salvador só tem déscida.
- Aqui não. Aqui em Salvador só tem déscida.
Meodeos... o que esse baiano está me dizendo? Diferente de lugar que tem muita subida é lugar que tem descida por acaso? Ai, jesuis! Será que ele não sabe que isso é uma questão de referencial?
- Mas, meu senhor, veja bem, tudo que sobe...não desce? E se desce... não foi porque subiu?
- A sénhóra me entendeu diréito não. Lá no Rio de Jánéiro, tem muita subida e aqui, véja bém, é tudo baixo. Ou alto.
Ou não...
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Reconheci a moça assim que olhei para o seu rosto e o brinco cor rosa-pink que contrastava com a pele negra. Ela era a ascensorista do elevador Lacerda que peguei hoje.

- Te vi hoje trabalhando. – Falei assim, por falar.
- Ah sim, a sénhóra éstéve lá no élévador? – Perguntou com a intenção certamente de ser apenas simpática.
- Estive. Trabalho cansativo esse seu... quente lá dentro, né? – Disse eu limpando a boca com o antebraço já que as duas mãos estavam segurando o acarajé.
- Estive. Trabalho cansativo esse seu... quente lá dentro, né? – Disse eu limpando a boca com o antebraço já que as duas mãos estavam segurando o acarajé.
- Ah é sim, e por isso eu vénho aqui sémpre que pósso. Eu passo o dia usando o meu dédo indicador apértando bótão e suando. Aqui no fárol... com esse vénto...posso usar meu indicador como deve ser usado.
- ???- Perguntou a minha testa.
- Cóntando as éstrelas.
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