sábado, 22 de maio de 2010

Cromo somos XX!


Essa é uma história verídica que ilustra como o mundo das mulheres se articula.

Há dois anos atrás, minha filha Nara completou dez anos. Minha sogra, senhora de muitas posses, resolveu dar uma festa. Mas uma festa daquelas que se aluga salão e tudo. Nada de bolinho em casa não. Coisa chique. Assim, pela primeira vez aqui em casa, comemoraríamos o nascimento de alguém sem ter que alugar mesas, colocar a lona azul no quintal para proteger os convidados das intempéries e comprar pratinhos e copos descartáveis. Era, definitivamente, uma festa de outro nível.

Porém, neste mundo há pessoas com noção e outras sem noção. Eu me enquadro no primeiro grupo. Minha sogra, pela própria definição desse grau de parentesco, no segundo.

- Elika, liga pro salão e marque um horário para a Nara no dia da festa. Quero minha neta lin-da. Manda a mulher fazer uns cachos no cabelo dela. Com o vestido que eu comprei minha neta vai ficar parecendo uma prin-ce-sa. Ah! E fala para a manicure passar um esmalte clarinho.

- Hum hummmm. – respondi.

Até parece. Pensei.

Minha filha só vai fazer dez anos! Que salão o quê! Minha sogra surtou de vez. Estava chocada com a ausência de discernimento de dona Greuza (sim, Greuza com G). Indignada liguei para minha mãe.

- Mãe, você não sabe a última da Greuza! Você acredita que...

Minha mãe é a pessoa certa nessas horas. No lugar das reticências aí em cima eu poderia falar qualquer coisa. Qualquer coisa que eu falasse ela ficaria chocada e estaria de prontidão ao meu lado, achando um absurdo seja lá o que fosse e me dando na hora alguma solução.

- Que absurdo, Elika! Não deixa não! Pode deixar que eu dou um jeito. No dia da festa eu arrumo o cabelo dela. Marca nada não!

Foi o que pensei e o que precisava ouvir. A vida seguiu. Minha sogra, virava e mexia, perguntava se eu havia marcado o salão e eu respondia hum hummmm. Daí ela gritava empolgadésima dizendo que não via a hora de ver a neta dela arrumada. Hum hummmm. Comigo é assim. Odeio ficar discutindo e corro por fora dando meu jeito. Eu e minha mãe, no caso.

No dia da festa, pela manhã, minha mãe apareceu aqui com uns bobs de cabelo e uma caixa de grampos. Chamou a Nara e com a bravura de um soldado foi a luta. Dividiu o cabelo da minha filha, começou a enrolá-los naqueles cilindros de plásticos vazados e no final, como num passe de mágica, tirou do bolso um spray. Eu quase bati palmas! Minha mãe é danada mesmo. Lembrou até do laquê! Depois colocou um lenço na cabeça da aniversariante e disse:

- No final da tarde eu volto.

A festa era a noite.

Era um dia daqueles de verão carioca. Um calor insuportável. Nara, que estava a cara da Dona Florinda, quis brincar na piscina o dia inteiro e eu, cheia de noção de tudo, passei o dia a impedi-la de cometer tamanha loucura. Comprei sorvete, vi filme com ela no ar condicionado...movi montanhas para fazê-la esquecer do diabo da piscina cheia de primos gritando descontroladamente e rindo alto. Que tanta graça tem em ficar numa banheira gigante jogando água uns nos outros?

Os convidados internacionais de Itajubá já haviam chegado. Estava quase na hora.

Minha mãe apareceu e com a segurança e a concentração de um atleta olímpico começou, seriamente, a tirar os grampos. Que ronquem os tambores! Não via a hora de ver minha filha linda e maravilhosa com os cabelos cacheadinhos como um anjinho sem ter que ficar duas horas no salão. Minha sogra tem cada ideia...

De repente não mais que de repente do riso fez-se o pranto, da calma fez-se o vento e do momento imóvel fez-se o drama.

Nara estava parecendo o Sidney Magal na época em que ele cantava Sandra Rosa Madalena!!!

- Se relá espeta! – Disse rindo a minha prima de Itajubá.

- Ai, jesuis, mãe! Greuza vai me matar se a Nara aparecer assim na festa-super-chique! E agora? Devia ter marcado o salão! Ai, jesuis! Que cabeça a minha acreditar que você sabia fazer cabelo! Mal penteia o seu...

Minha mãe, olhando séria a neta, disse-me aos berros:

- Calma! Você não esperou eu acabar! Calma! Eu ainda não acabei! Cala a boca e pegue o pente!

Que pente, mané, pente? Quem disse que pente entrava naquele ninho cheio de laquê! Aliás, que ideia de girico aquela de spray que deixa o cabelo duro. O jeito foi tentar desfazer os cachos com os dedos e o resultado final foi a imagem do Sidney Magal acabando de acordar de uma ressaca violenta. Ai, Jesuis crispim!

A sorte é que minha irmã Tatiana, a única que herdou os genes orientais zen do papai, diante daquele cenário esquizofrênico onde todos estavam vendo alguma coisa estranha no lugar da Nara, pegou a sobrinha e disse:

- Vai pra piscina.

Nara não precisou segunda ordem, saiu correndo dando cambalhotas e gritando urrú. Depois de cinco minutos, a tia-zen apareceu.

- Sai da piscina.

Dá-lhe banho, secador e baby liss (um cano que esquenta e modela os cabelos) e pronto! Minha filha estava perfeita, com uns cachinhos super delicados no cabelo. Parecendo uma boneca. Minha sogra ia ter um troço. E tudo isso sem precisar da ideia maluca de ir ao salão de beleza! Disse eu, triunfante, batendo a palma da minha mão direita na palma da mão direita de mamãe que, assim como eu, só ficou olhando a Tata fazer tudo.

No instante em que viu a Narinha arrumada chegando na festa, como previ, Greuza teve um piripaque de tão feliz que ficou ao ver a neta, completando seus dez aninhos (como o tempo passa rápido!) e dentro de um vestido ca-rís-si-mo que parecia ter sido feito especialmente para ela.

- Minha neta está lin-da, Elika!

- Hum hummmmmm. – Concordei emocionada e super feliz com a minha sogra.

Em menos de dez minutos de festa, os cachinhos se desfizeram e ninguém deu pela falta deles. Nem eu, nem Nara, nem minha mãe, nem minha irmã-zen  e muito menos minha sogra.

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Só lembrei-me dessa história agora porque estava aqui vendo alguns álbuns e deparei-me com essas fotos aqui:







quinta-feira, 20 de maio de 2010

Pronto. Virei Sogra.


Fico um pouco preocupada com essa conversa de que somos todos iguais. Marido é tudo igual. Filho é tudo igual. Empregada é tudo igual. Só o que muda é o endereço. Nada disso. Tento ser superior ao meu hardware. Procuro não ficar brigando com meu marido por causa de roupas jogadas pela casa, deixo as crianças à vontade com os brinquedos e policio-me para que meus filhos tenham uma certa liberdade. Posso até dar ordens, mas nada que me enquadre em uma só gaveta. Eu quero ser um armário inteiro com várias caixas corrediças e caber em todas elas ao mesmo tempo, mas jamais me encaixar em somente uma.

Ledo engano.

Hideo, meu filho de dezesseis anos, chegou da casa da namorada segurando um presente que havia acabado de ganhar. Um porta-retrato com a foto dos dois. Ela, apaixonada, está apoiando a cabecinha no ombro forte de meu filho. Uma graça. Quis ele levar o mimo para a casa do pai onde mora de segunda à sexta e eu disse não. Deixe que ele fique aqui enfeitando a cabeceira de sua cama. Era eu, gigante contra a minha  própria natureza, a fazer-lhe o pedido magnificente.

Numa tarde dessas de muita filosofia, devidamente acomodada no escritório daqui de casa com o peso de Heidegger nas mãos, ergui a cabeça para digerir algumas idéias recém adquiridas pela leitura e meus olhos inicialmente, olhando sem nada ver, miravam uma foto minha com meu filho, exposta num antigo e belo porta-retrato. Fechei os olhos para raciocinar sobre a natureza do Tempo que tanto incomodou Heidegger e que a mim, até então, é indiferente. Mas a imagem, captada por acaso pelos meus olhos abertos, parecia ter sido colada nas minhas retinas e a pergunta que se fez de repente na minha cabeça, deixou de lado (como aqueles que esvaziam uma mesa de trabalho com uma só braçada) toda a questão do Ser e do Tempo. O que este porta-retrato está fazendo aqui no escritório?

Levantei-me, peguei a nossa foto emoldurada e da mesma forma que ajeitamos um vaso de flor, inclinando o rosto para nos certificarmos de que o arranjo está na sua forma mais que perfeita, ajeitei-a juntamente com a outra, recém adquirida pelas mãos da namorada. Esta cabeceira sempre fora o seu lugar. Por um descuido meu, o objeto estava no local errado da casa. Como sou desligada com essas coisas de decoração...

Ontem, estava escovando os dentes quando Hideo me chamou assustado no seu quarto. Com o hálito refrescado e a boca limpa assim como a minha própria consciência, perguntei o que o afligia e ele simplesmente olhava para as duas gravuras que tinham em comum o seu rosto. Perguntou-me o significado de tudo aquilo. Eu, o projeto fajuto de armário, era eu que não estava entendendo o por quê de uma necessária tradução de algo tão óbvio. De uma frase tão clara. A foto não é sua, meu filho? Onde você quer que mamãe coloque a sua foto?

Mãe, você não está percebendo?

Neste momento, Nara, minha filha de doze anos, entrou no quarto. Perguntou qual era o problema da vez e Hideo apontou a nova decoração da cabeceira de sua cama. Nara olhou para mim e viu que eu estava pensando assim como aqueles que decifram um enigma. Simplesmente caiu na gargalhada e me deu um abraço bem mas bem forte mesmo.

Nara percebeu.

Eu percebi. Só depois.

Percebi  que, na verdade, aquele papo de armário e inumeráveis gavetas foi um delírio da minha parte. Percebi que essa conversa de livre-arbítrio é história. É mentira. A verdade, eu vou dizer agora, quando Deus nos fez, Ele nos colocou numa camisa de força. Não nos deu opção alguma. Bobagem acreditar que trilhamos o nosso caminho. Bobagem. Um lado meu dizia que a experiência de perceber que outras pessoas gostam e amam até(!) nosso filho é encantadora. O problema é que eu sou um polígono de 387 lados e todos os outros 386, num silêncio ludibriante, fizeram de mim um simples títere, no descuido de um fechar de olhos.

Com o inconsciente devidamente desmascarado e já cabendo exatamente numa só gaveta, estendi rapidamente os braços para tirar o porta-retrato que estava a mais naquela cama.

Mãe!



Pronto. Virei sogra.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Consulta ao Analista



Já fui neta e namorada. Hoje às vezes sou sobrinha e tia, quando posso. Filha sou todo dia, mãe até quando estou dormindo e esposa desde que me casei. Cunhada, raramente e prima, só quando viajo. Irmã eu gostaria de ser por mais tempo e nora por bem menos. Madrinha sou de dois e afilhada, de ninguém. Sogra vai ser um problema e não quero ser viúva. Pensando bem, não quero ser sogra também.

Temente à Deus fui somente na infância, ao Diabo, nunca. Professora sou somente pelas manhãs e a tarde sinto falta. Escritora serei um dia, doutora daqui a quatro anos e flamengo até morrer. Até parece. Dançarina nunca quis ser e caixa de supermercado só quando era criança. Boa aluna quando era bem menor e rebelde fui sem causa. Médica não serei nunca e gorda quando perder o controle. Míope eu sou desde os doze e mocinha também. Por fora, um pouco japonesa; por dentro, completamente negra. Sou cega de vez em quando e quando velha serei surda. Sou esperta. Mentira. Ingênua. Em tempo algum. Mentira. Não sei.

Confundo-me com o que falam a meu respeito.

Todos os cômodos da minha casa tem relógios, inclusive nos banheiros. Ser eu mesma tem me consumido muito tempo. Sempre quis fumar, beber eu não consigo, mas às vezes me inebrio. Não consigo dormir, comer e nem ir ao centro da cidade sem companhia. Minha força não está na solidão. Preciso sempre ser orientada e jamais busquei a independência.

Quando durmo sonho muito. Acordada, muito mais. A dor do parto não me incomodou e queria senti-la novamente. Tenho muitas dores de cabeça e essas sim me importunam. Quero chorar vendo uma ópera, mas enquanto não consigo assisti-la, rio de toda aquela presepada. Quando tomo banho me distraio com o vapor que ofusca o teto e se estou limpa, leio. Nunca vi A Escolha de Sofia e não vejo televisão. Escrevo sempre com a mesma lapiseira, mas mudo sempre de caligrafia. Não sei usar vírgulas e muito menos pincel. Sou incapaz de guardar nomes de diretores de cinema e de emprestar meus livros. Não entendo as diversidades do homossexualismo.

Não sou como me veem e muito menos o que digo.

Capta essa outra coisa que não falo porque eu a tenho ignorado. Eu não me entendo e preciso agir como se me entendesse. Fingir. Do mesmo modo que muitos fazem.

Sou, agora, aquilo que eu escrevo.








segunda-feira, 3 de maio de 2010

Surpresaaaaaaaa!!!!



Mãe, posso levar quatro amigas para passar o final de semana com a gente na casa de minha avó em Mangaratiba? É aniversário da Lulu e queremos fazer uma festa-surpresa para ela. Vai ser assim: papai me pega na escola e depois...

Pronto. Nara já estava com todo o esquema na cabeça e contava com a minha aprovação e com o meu apoio para tornar cada cena que ela havia visualizado, real. Eu só precisava falar com quatro mães (que nunca tinham deixado as filhas dormirem fora de casa), arrumar mais um carro (já que a Lulu não podia saber que as amigas iriam), fazer compras (bolo (de chocolate), comida (guloseimas), refrigerantes e esmaltes (da coleção (verão) da Impala)), chegar à escola 17:13h (antes? nem pensar!), não esquecer de levar as bolas (coloridas, bem coloridas) no carro (para que a Juju, a Cabeça e a Stephanie fossem enchendo no caminho) e convencer a minha sogra (que é neurótica com arrumação e limpeza) de que o quinteto de mocinhas (na verdade só uma já é mocinha) não daria trabalho nenhum. Ah! Não esquecer de chamar a tia Jú (porque a tia Jú é o que há). Tudo foi verbalizado assim mesmo, cheio de parênteses que eram falados de forma bastante enfática para que eu não me esquecesse do que tem dentro deles.

Pensei em dizer não, mas fui incapaz de fazê-lo. Ser responsável pelos meus filhos e mais quatro meninas mega-animadas estava me parecendo algo insano. A hipótese infinitamente pequena, porém, existente de que tudo pudesse dar certo somado ao rosto animadíssimo da Nara na minha frente foram o suficiente para abrir a porta sorrindo e deixar que a esquizofrenia fizesse a festa na minha cabeça.

Somente depois dos parabéns, cantados super euforicamente num tom altamente agudo, soube que o aniversário da Luisa seria daqui a um mês mais ou menos. Como temos pela frente dia das mães, prova de matemática e ensaio do teatro, o único final de semana que daria para fazer uma festa-surpresa era esse. Só depois que todas começaram a abraçar a Luísa  foi que a própria percebeu que aquela solenidade toda era para ela. Até eu me surpreenderia com uma festa assim, feita com tanta antecedência... Não houve dúvida de que tudo aquilo foi uma deliciosa desculpa para ficar mais tempo com as amigas.

Passar o final de semana com cinco menininhas que estão se despedindo da infância fez o efeito que dez anos de tratamento dermatológico para reduzir minhas linhas de expressão não conseguiram realizar. Não preciso me olhar no espelho hoje porque nele não me reconheço mais. A minha imagem agora está nas atitudes de minha filha. Foi lá o local onde, inesperadamente, a encontrei. Adorei a surpresa.