quarta-feira, 20 de maio de 2009

“Eles Passarão, Eu Passarinho”*

*Mário Quintana

Meu amigo Paulo Andel me deixou, digamos, bolada com um comentário deixado no texto anterior. Disse que sou a melhor memorialista que ele conhece pessoalmente. O elogio me deprimiu pois eu ando incomodada há tempos com isso. Mais precisamente há dois meses. O passado é transcrito sempre sem maiores problemas e quando há dor, melhor ainda. São os textos mais comentados. Se fizesse algum amigo chorar na vida real jamais receberia qualquer elogio. Mas quando os emociono por aqui, por causa de algo que já aconteceu comigo, me abraçam com os braços quando Deus nos permite ou com os dedos clicando em letrinhas que formam palavras de carinho que me envolvem da mesma maneira. Mas ando angustiada. Eu preciso escrever sobre o que está por vir. E eu não sei como fazer isso.

Ando segurando a garganta desde o início desse ano. Querendo conjugar no futuro e estou proibida de fazê-lo.

Deixe-me explicar o motivo: já é sabido por alguns que desde março estou aprendendo italiano. Entrei num curso semi-intensivo lá no consulado da Itália para que consiga, em um ano, me fazer entender na terra da pizza e do capuccino que pretendo conhecer em 2010. A ordem que recebi foi ouvir o máximo que puder na língua italiana (filmes e músicas são bem vindos aqui), falar o que conseguir de preferência para aqueles que me amam (pois somente esses terão paciência) e desejar o hors concours, claro: pensar em italiano. Quem me conhece sabe que sou um bom soldado. Obedeço bem às regras. Cumpro ordens com facilidade. Questiono pouco quem eu escolho para ser meu líder.

Sendo assim não é preciso dizer que meus filhos, minha empregada e meu marido já entendem um pouco a língua de Galileu Galilei. Já sabem o que me incomoda aqui e agora (somente). Chego em casa e grito para meu bambino: Vieni dalla mama! E recebo um forte abraço de Yuki. Ma dai! Questo quarto está una cosa sporca! E Hideo já começa a catar as coisas espalhadas pelo chão. Di chi sono questi revistinhas? Já vou guardar, mãe! Grita Nara de algum lugar. Sai dove sono le chiavi? Em cima do armário, responde Lucimar. A che ora ritornai a casa, ragazzo? Hoje o samba termina cedo, meu amor. Nem vai dar tempo de você sentir saudades...

Ah o presente...como o presente é mole. Mi piace viaggiare. Andiamo al cinema. Mioi genitori stanno molto benne. Io scrivo per voi. Só alegria quando nós o conjugamos. Molto facile vivere somente no presente do indicativo...

O passado? Até duas semanas atrás ele não me importava. Pouco me lixava o que havia feito ontem, aonde fui final de semana. Carpe diem! O que é digno de apreço é somente o agora! Nem queria pensar mais sobre o que já havia decorrido mesmo porque não sabia como fazê-lo. Apaguei o que ficou para trás para não entrar em choque com meus pensamentos. Mas, depois que a professoressa escreveu no quadro PASSATO PROSSIMO, minha vida mudou ou melhor, la mia vita è cambiata! Fui forçada a lembrar de tudo que já fiz, ontem, semana passada, minhas últimas férias... Fui obrigada a abrir o álbum de fotos sem importância tiradas somente pela minha retina e que certamente iam desbotar sob a luz de meus problemas mundanos. E dá-lhe remexer na memória! Ieri non sono uscita di casa. Hideo é arrivato tardi a scuola setttimana scorsa. Sono andata al cinema e ho visto um belíssimo film (a propósito, vejam Divã).

Ah o passado... pensando bem nem foi tão difícil assim...

Mas... a verdade é que sendo mãe de três(!!!), fazendo doutorado, dando aulas, tendo um marido que trabalha numa plataforma, irmãs que moram distante de mim ... eu só penso no futuro! E não posso falar sobre ele pelas regras do jogo porque eu não sei conjugar no futuro na língua do Pavarotti! Estou limitada ou a viver o presente intensamente ou a ficar recordando tudo que já fiz nessa vida. Chego em casa, quero falar para todos que amanhã vou começar academia e não consigo. Não sou capaz de prometer que não vou mais comer tanto chocolate. Ontem ia dizer que ia acordar mais cedo para que hoje não precisasse correr tanto de carro para chegar ao trabalho. Não consegui! Preciso sentar e terminar de escrever esse projeto de doutorado que meu orientador está me cobrando e quem disse que estou apta a dizer isso? Tenho que fazer um curso de batismo para poder ser a madrinha da Maria Rita e como posso fazê-lo? Terei que ler mais sobre Espinosa. Terei, acordarei, não comerei, começarei, escreverei, batizarei... impossível! Impossível! Eu não sei! Eu não sei!

Diante de tamanha ignorância e desta lamentável falta de sabedoria eu andei meio calada. Quando ia dizer alguma coisa, lembrava que era algo que pretendia que acontecesse. Não era nada sobre o hoje, o agora e muito menos sobre o ontem ou o que já se findou. Então, com a boca aberta e o peito cheio de ar, a fechava ao mesmo tempo que me encurvava e deixava que o gás carbônico fosse todo embora de uma só vez. Desânimo. O que foi, meu amor? O que te aflige? Perguntou meu marido preocupado. O futuro, Nelson. O futuro. Eu não sei o futuro!Eu não sei!!! Elika, este nem Deus sabe!!! Intercedeu, agoniada também, Lucimar, minha secretária há doze anos e que me conhece tão bem quanto o chão desta casa que se livra todo dia da sujeira graças ao seu trabalho.

Aflita, peguei o cronograma do curso. Li no capítulo seguinte: FUTURO SEMPLICE. Semana que vem aprenderei. Fiquei animadíssima com o que virá. Mas depois do que Paulo Andel escreveu, dizendo que fico bem falando no pretérito mesmo que seja o imperfeito, estou morrendo de medo...

17 comentários:

  1. Meu amor,
    Este novo post nos mostra explicitamente o quanto este seu lado tem evoluído. Sinto-te muito mais leve neste texto, muito mais solta, muito mais você. O que é muito difícil pela influência consciente ou não de tudo o que você já leu. ( E olha que não foi pouco.) Mas, definitivamente, este é em estrutura, ritmo, conteúdo e criatividade, um dos seus melhores.

    E, como eu te falei, acredito que a cada novo texto terei este mesmo sentimento, devido a sua evolução natural. Agora, se vira você com essa responsabilidade... ;-)

    Te amo demais!

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  2. Cara Elika, não se engane, o futuro é apenas a antevisão de um novo passado. aproveite, pois.
    belo texto, fazendo eco ao Nelson: parabéns.
    abraços,
    Pedro

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  3. Elika!
    É só dividir bem o tempo e tudo será possível, com certeza logo você estará falando e escrevendo bem em todos os tempos e esmiussando o idioma do Pavaroti.
    Abraço!

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  4. Ola, Elika!

    Bom, eu converso via msn com 1 amiga italiana e o marido. Sempre falo no futuro, um "futuro" que eu mesmo invento! hahahahah

    Semana que vem nos livramos dessa angustia e da pra pensar mais no futuro.

    Pensar no passado antes de aprender o futuro é um bom exercicio de aprendizado nao é?

    Abracco! rs

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  5. As dúvidas,incertezas e a ansiedade pelo que virá são uma consequencia natural do seu evidente "amadurecimento". As coisas mudaram muito rapidamente no seu dia a dia e aos poucos voce vai saber conviver com as "novidades" e administrar toda essa aparente confusão. Se há uma coisa que posso garantir que você tem de sobra é raça e disposição suficiente pra encontrar as respostas certas e o melhor caminho.
    Em tempo, essa habilidade e capacidade, evidentemente, não inclui os mapas e informações para chegar aos lugares que fornecemos pra você e pro querido Nelson. QUE OS ANJOS SEMPRE TE ORIENTEM A SEGUIR O CAMINHO CERTO, EM TODAS AS SITUAÇÕES. BEIJOS
    Luis Manuel

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  6. Até parece q vc não consegue conjugar o futuro... vc pode tudo!!! Bjos da Lyli

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  7. Lika, a vida é já.

    Deixe o futuro chegar na boa.

    O fato de afirmar seu enorme talento como memorialista é tão-somente apontar UMA das suas qualidades literárias.

    E vamos em frente.

    Beijoca.

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  8. O texto ficou ótimo. A brincadeira ficou leve e inteligente. Mexe conosco, nos coloca dentro da sua vida, dos problemas que enfrenta, tudo com delicadeza e bom humor. Estou certo de que você acabará por fazer algum tipo de organização do seu tempo. Não aquela rigorosa e que precisa ser consultada a toda hora. Mas alguma coisa que facilite a vida, que lhe dê uma espécie de ritmo ou mantra, que mantenha a calma no dia-a-dia.
    Eu tive um problema semelhante com um concurso, no qual eu escolhi o italiano como segundo idioma. Comprei um dicionário, com tempos verbais e alguma gramática. Assinei uma revista italiana semanal e pronto. Dentro de algum tempo, fazia tradução sem grande problema. Falar que é bom, nada. O resultado foi satisfatório, passei no exame e o professor (italiano nativo, veio para fazer a correção) ao me cumprimentar, lascou o seu belo italiano e eu, envergonhado, disse-lhe, desculpe-me, apenas aprendi a fazer a tradução até agora. (!!) Você gostaria se visse a cara de espanto que ele fez.
    Boa sorte, é o meu desejo, para o presente e o futuro. O passado? Esqueça. Beijos.

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  9. Olá Élika,
    Estou passando para mandar um abração e parabenizar pelo blog. Não é a toa que é um dos mais lidos.
    Tambem queria dizer que eu vi um filme em italiano e de repente você queira ver para aprimorar o seu italiano:
    - Caçador de Pipas (com Pablo Neruda)
    Tudo de bom e um forte abraço.

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  10. Bom dia Élika depois de ler esse texto. Não só eu mas todos que por aqui passaram. Todos temos certeza você é nota 10 uma vencedora. E já conseguiu com certeza com sua perseverança tudo se alcança.

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  11. Bom, queridona, como nos temas do futuro eu compartilho exatamente de suas opiniões... o que faço é o seguinte: não pensar.

    Fazer o bem, ter alguma diversão, deixar algo bom e mais nada. O resto escoa.

    Nada de justiça, nada de sala de entrevistas com o todo-poderoso para rever os actos, nada disso. Respeito quem creia; eu, não.

    E vamos em frente. O tempo é curto e a vida é já.

    Beijocaaaaa

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  12. Olá, Elika.
    Alguns amigos meus lá do CEFET-RJ são seus alunos. Eles sempre me contavam do quão você escrevia bem. Então finalmente um deles me passou o link do seu blog. Aqui estou eu confirmando tudo isso. Gostei muito dos textos. Até me emocionei com a história dos porquinhos da índia. Parabéns. Eis aqui uma nova seguidora.

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  13. Ola Elika

    O texto ficou muito bom. Nem parece uma professora de Fisica, rs...
    Desde que te conheci, me considero sua fã. Continue, que o amanhã virá....
    beijos
    Ana Luisa

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  14. Gente,

    Eu não estou com problema nenhum não! Apenas brinquei com a coincidência de estar aflita com o fato de não conseguir dizer nada no futuro em italiano e o fato do Paulo Andel dizer que fico bem falando sobre o passado.

    Capisce?

    Bacio per tutti voi

    LK

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  15. Mãe para falar a verdade eu não capisquei nada... Nem sei o que é isso mesmo, acho que esqueci.Também , ler não é falar. Eu entendo tudinho que você fala e acho você a melhor escritora do mundo!!!! Tenho orgulho de ser sua filha!
    Bjs!!

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  16. Tia Elika, esse tipo de coisa acontece com todo mundo, mas quando passar voce vai ver que valeu muito a pena, todas as preocupaçoes, os surtos e tudo mais. Voce sabe que voce consegue aguentar isso.
    Beijos

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  17. Como sempre, escrevendo ótimos textos.
    E como seu marido disse, você está cada vez mais evoluindo...
    Fico feliz cada vez que leio um texto seu pois me orgulho de ter sido sua aluna. Nós fomos calouras juntas de CEFET, eu aluna e você professora !!!
    Acho que você não esquecerá tão cedo disso tanto que fez um livro e, como você disse, se inspirou nAquEle ano... no nOsso Ano !
    Digo no futuro: você fará cada vez mais textos melhores e melhores !
    Beijos.!

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