quarta-feira, 17 de junho de 2009

Limpando a Cabeça


Yuki, meu filho mais novo pegou piolho. Detectei a invasão assim que percebi que o pandeiro não estava sendo tocado no ritmo certo. Para aqueles que não sabem, Yuki nasceu assim, sambista. Toca instrumentos de percussão com ritmo antes dos dois anos de idade. A falta de uma batida harmoniosa não é sinal de imaturidade ou inexperiência e sim de que algo o atrapalha, neste caso, a estadia da espécie pediculus humanus que estava começando a fazer a festa ao som daquela batucada forçadamente irregular.

Coube a mãe do sambista fazer o serviço sujo, na verdade, o serviço de limpeza daquela cabecinha balançante. Optei por não passar os remédios típicos para a pediculose porque ele é muito novinho e eu estava com medo de uma intoxicação. Então, restou-me a operação pente fino.

Mamãe vai pegar os bichinhos que estão mordendo a cabeça do neném. Eu vou passar esse pente e eles ficam agarradinhos nele, vamos ver? Yuki me ouvia e olhava o pente nas minhas mãos assustado. Mas seus olhos tinham muita curiosidade também a ponto de me permitir passar o pente com tranquilidade. Na primeira passada, peguei um grande. Aqui, meu filho, esse é o papai dos outros. Vamos pegar os filhotinhos e arrumar uma nova casinha para eles? E saí catando com toda calma, vigiada pelo olhar atento da minha criança, os filhos e a esposa do bicho que estava num pedaço de papel higiênico esperando o resto da família. Para aumentar a minha dificuldade de continuar com aquela historinha sem graça, recém-inventada e sem a menor dose de criatividade, peguei mais três grandes e cinco pequenininhos. Na minha cabeça, ou melhor, na cabeça do Yuki, aquilo era uma infestação e o pior! eu tenho nojo de usar meus polegares para um serviço que faria jus ao apelido que receberam de tanto que seus ancestrais esmagaram esses insetos nojentos até ouvir um tec! Embrulhei bem todos eles, mas muito bem embrulhados mesmo, joguei no vaso e demos tchau para toda família que iria participar de uma longa viagem assim que apertasse a descarga. Na semana seguinte, repeti o processo mandando mais filhinhos para junto do papai, da mamãe, da dinda, do tio Geraldo e dos irmãos que estavam numa terra muito-muito distante.

Quando Marilene, minha manicure, chegou aqui em casa para fazer o meu serviço de manutenção preventiva semanal, eu contei para ela com cara de nojo toda a história. Ao ouvir que havia tirado nove piolhos da cabeça do Yuki, ela esboçou um sorriso contido, desses que se manifestam muito mais com o brilho dos olhos que aumenta de forma involuntária do que com o esticar dos lábios, as vezes, forçado.

Disse que quando as crianças pegavam piolho no morro não dava nem para contar quantos eram. Sabe um céu cheio de estrelas? Então, nossa toalha ficava assim. E eu que achava que havia presenciado uma infestação... estava até com vergonha de tocar no assunto com outras pessoas por parecer negligência, sujeira ou sei lá o que mais que me apontasse como uma pessoa pouco asseada. Como tudo muda dependendo do referencial! Sábias palavras de Copérnico! Mas a diferença não estava somente nos números...

De vez em quando a mãe e a tia de Marilene resolviam ocupar a cabeça delas com a cabeça da minha manicure. E começavam o serviço assim: vamos fazer uma blitz nesse morro aí! Era o sinal que ela teria sua extremidade superior do corpo vasculhada sem que isso significasse revelar algum segredo.

Sendo puxada pelos cabelos à quatro mãos, o serviço era iniciado e Marilene ouvia: Aí, tô na escolta! Era a voz da mão da mãe de Marilene para a mão da tia de Marilene. Vamos passar o rodo! Respondia uma das mãos. Eu vou é mandar para a vala um punhado hoje, irmão! Vamu começar a passar o cerol geral!!! Nessa hora os piolhos que tudo entendiam, na cabeça da Marilene, estavam alvoroçados, correndo para todos os lados... já pipocou cinco na minha mão, irmão! Só nesse começo!!! Aqui, peguei o chefe! Cadê o gerente? Cadê o gerente? Vai falar não, filho da pu ... TEC! Aqui um olheiro! Crente que ia avisar o gerente, né? Tem de ficar esperto que tá a maior sujeira, gritou um aviãozinho já entre dois polegares, avisando aos outros sobre o que estava rolando no asfalto, momentos antes de morrer. Tu avisou aos soldados filho da pu ...TEC! Tá cheio de samango na área, só de escolta, esperando algum mané dar bobeira! Se liga, irmão! Se der mole, toma um bote! Eram os piolhos gritando uns para os outros, na cabeça da Marilene.

Eu fiquei assustadíssima com essa história contada enquanto minhas unhas ganhavam cores. Mas chego à conclusão que tenho dado muitos ouvidos para psicólogos. Outro dia me falaram para não cantar atirei-o-pau-no-gato para meus filhos e me ensinaram uma versão não-atire-o-pau-no-gato para que eles não se tornassem devassos matadores cruéis de animais quando crescessem. Estava morrendo de pena da Marilene, um doce de pessoa, e também de todas as crianças piolhentas do morro. Você ficava assustada Marilene? Tinha pesadelos?

Marilene se mijava de rir.
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Veja que interessante, não consegui postar o texto autêntico porque recebi a mensagem "Seu texto não pode ser publicado porque contém palavras não permitidas!" Nesse contexto, as expressões que podem parecer chulas, sem classe, e até agressivas... na realidade, são autênticas, sem recalques e que retrata o cotidiano nu e cru de algumas comunidades de uma forma bem divertida. A censura do blog pensa como eu pensava. Antes dessa conversa toda com a Marilene...





15 comentários:

  1. Excelente, Eka! Tô rindo até agora.

    Acho q seu brilhantismo fica muito mais evidente com seus textos cômicos do que com os sérios. Esse é o seu perfil, vista a camisa! Invista mais nisso...

    Sugestão: faça uma coletânea das crônicas e manda para alguma revista ou jornal grande. Quem sabe é contratada como colunista, e começa a ganhar dinheiro com isso? Seus textos são bem melhores do que muitos que tem por aí.

    Bjão!

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  2. Gostei muito deste texto também. Eu já havia lido numa outra ocasião.

    Parabéns, minha irmã!

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  3. Como sempre muito bom, divertido e com teores que nos levam à alguma reflexão.

    bjs

    Mazinho

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Nossa, que divertido!!!! E como é triste a realidade do morro que um dia gerou e pariu o samba... Acho que você deveria trabalhar para algum Jornal sim!!!!bjs mil

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  6. Oi! O comentário excluído do Jackson era meu, é que estava na conta dele e nem percebi...bjs mil

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  7. Esse é um dos melhores textos, temas, enquadramentos e humor. De todos, apesar de você sempre dar um toque extraordinário e singular, é o mais leve, prático e nos coloca diante daquela perspectiva de que tudo é possível, plausível, e fica melhor contado com carinho. E quanto à censura, quanta falta de imaginação. As palavras não podem ganhar a luz do sol. Ficaram escondidas, não? Parece que trocar o númro do vôo, também elimina o problema dos acidentes aéreos. Beijos e Parabéns. Muitos.

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  8. Um divertido e criativo texto!
    Quanto às canções infantis!
    Se pararmos para observar ha sempre uma pitada de violência embutida!
    " Atirei o pau no gato, Boi da cara preta pega essa criança...,Dorme nenêm que a cuca v em pegar, entre outras!
    Abraço Elika!

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  9. http://www.detetiveamaral.com.br/

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  10. Excelente o texto!
    Me tornei leitor assiduo do seu blog!

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  11. Vim a (re)descobri-la só hoje, nas minhas andanças blogosfera a fora, Elika.

    Eu costumava ler seu blog no tempo do GO. Vez por outra comentava. Você também visitava então meu saudoso Veleidades. Até reconheci algo do seu estilo, dos seus temas ao correr vista por allguns posts.

    Nesse atual, sobre o episódio 'piolhal' com seu pequeno músico, lembrei do defunto GO, que censurava previamente algumas palavras. Não fazia ideia até agora de que isso acontecesse aqui, também. No meu Bonde passou o poema Ainda, que termina com expressão "proibida", o conto Sem Mãe, que no GO precisei adaptar, e por aí vai. Foi a primeira notícia de censura prévia a uma palavra que tenho no Blogspot.

    Pessoalmente, não acho justo que uma pessoa como você, tão estudada e tudo mais, tenha sua cultura ou seu bom gosto seriamente questionados pelo uso que faz de uma única palavra. Nem acho certo que no SEU espaço virtual você não possa escrever da forma que bem entenda. Afinal, quem não gostar é só não ler. Não há ofendidos nem prejudicados possíveis. Eu gosto e quero mais, tá?

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  12. Professora, o texto é simplesmente fantástico e interessante. Você, sem dúvidas, tem talento. Não imginava que a física e as letras caminhassem tão harmoniosamente, parabéns! Espero que tenha detonado com a família de piolhos da cabeça do pobre Yuki...
    Sinto sua falta e de suas aulas ... grande beijo!

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  13. Olá!
    Este é um comentário-convite:
    Estou começando uma promoção em meu blog e ficarei muito feliz se você participar.
    Conto com você.
    Beijos e fique com Deus.

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  14. Elika, pouco a pouco vamos descobrindo os ex-GOs e amando essas descobertas. Li seu texto 'sem pestanejar' do início ao fim! Aguardo sua visita!

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  15. Tia Elika...
    "Ri litros" aqui .....
    Demaaaaaaais !!! Muito engraçada essa história !!

    Beijoos da sua mais nova leitora.

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