sexta-feira, 7 de maio de 2010

Consulta ao Analista



Já fui neta e namorada. Hoje às vezes sou sobrinha e tia, quando posso. Filha sou todo dia, mãe até quando estou dormindo e esposa desde que me casei. Cunhada, raramente e prima, só quando viajo. Irmã eu gostaria de ser por mais tempo e nora por bem menos. Madrinha sou de dois e afilhada, de ninguém. Sogra vai ser um problema e não quero ser viúva. Pensando bem, não quero ser sogra também.

Temente à Deus fui somente na infância, ao Diabo, nunca. Professora sou somente pelas manhãs e a tarde sinto falta. Escritora serei um dia, doutora daqui a quatro anos e flamengo até morrer. Até parece. Dançarina nunca quis ser e caixa de supermercado só quando era criança. Boa aluna quando era bem menor e rebelde fui sem causa. Médica não serei nunca e gorda quando perder o controle. Míope eu sou desde os doze e mocinha também. Por fora, um pouco japonesa; por dentro, completamente negra. Sou cega de vez em quando e quando velha serei surda. Sou esperta. Mentira. Ingênua. Em tempo algum. Mentira. Não sei.

Confundo-me com o que falam a meu respeito.

Todos os cômodos da minha casa tem relógios, inclusive nos banheiros. Ser eu mesma tem me consumido muito tempo. Sempre quis fumar, beber eu não consigo, mas às vezes me inebrio. Não consigo dormir, comer e nem ir ao centro da cidade sem companhia. Minha força não está na solidão. Preciso sempre ser orientada e jamais busquei a independência.

Quando durmo sonho muito. Acordada, muito mais. A dor do parto não me incomodou e queria senti-la novamente. Tenho muitas dores de cabeça e essas sim me importunam. Quero chorar vendo uma ópera, mas enquanto não consigo assisti-la, rio de toda aquela presepada. Quando tomo banho me distraio com o vapor que ofusca o teto e se estou limpa, leio. Nunca vi A Escolha de Sofia e não vejo televisão. Escrevo sempre com a mesma lapiseira, mas mudo sempre de caligrafia. Não sei usar vírgulas e muito menos pincel. Sou incapaz de guardar nomes de diretores de cinema e de emprestar meus livros. Não entendo as diversidades do homossexualismo.

Não sou como me veem e muito menos o que digo.

Capta essa outra coisa que não falo porque eu a tenho ignorado. Eu não me entendo e preciso agir como se me entendesse. Fingir. Do mesmo modo que muitos fazem.

Sou, agora, aquilo que eu escrevo.








42 comentários:

  1. Um texto onde perdemos o fôlego, porém, nunca a vontade de parar de ler.
    Parabéns pela intimidade com as palavras e sentimentos.

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  2. Elogio de poeta é o que há.

    Obrigada pelo carinho.

    Beijos

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  3. Sabe Elika, sempre que eu leio vc ("Sou, agora, aquilo que eu escrevo"), fico com uma vontade enorme de começar a discutir, pensar e conversar muito sobre o que vc falou. Acho que sinto isso com todos os escritores de verdade que eu já li.

    Pois então vamos lá...eu tenho a impressão que esse negócio de ser ou não ser foi um pouco (pelo menos um pouco) supervalorizado por todos nós. Alguém, alguma hora cismou de dizer que cada um `era` alguma coisa. E disse e repetiu tanto, que mesmo desconfiando, a gente acabou que acreditou.

    Aí vem vc, contando como se vê e dizendo que nada é assim nem assado, ou que pode ser ou sei lá. Principalmente Sei Lá. E SEI LÁ, por tudo que entendi até hoje, é onde mora a verdade.

    Como sempre "gradicido, muito gradicido".

    A. Dutra

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  4. Admiro os compositores e escritores, considero-a como tal, que têm o poder de perpetuar os pensamentos e sentimentos os quais na maioria das vezes são fugazes e fugídíos, há que saber capturá-los e torná-los eternos como vc fez.

    Parabéns!!!!

    bjs Mazinho

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  5. Pois é, A.Dutra, sei que saber quem sou é impossível. A coisa-em-si é inatingível, bem disse Kant. Ninguém na verdade saberá.

    O problema é a pressão que fazem para que nos encaixemos em algum lugar.

    Sei lá. Tá tudo certo. O problema é esse.

    Apareça!

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  6. Quando crescer, quero saber escrever como você! seus textos são sempre ótimos e dá uma tristezinha quando acabam... rs
    Beijos e tudo de bom!

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  7. Maza!

    Você é muito simpático. Sempre foi. Um pouco cego e muito exagerado, talvez.

    Sempre uma alegria te ver seja aqui, no gmail, nos sambas ou nas festas ploc da vida!

    :-)

    beijos e obrigada. Sempre.

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  8. Rulliane, gata, gatíssima, gatona!

    Adorei saber que você gosta de me ler. A-do-rei!

    Muito bonitinha você, até comentando.

    Beijaço!

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  9. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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  10. Oi, Elika,


    Gostei muito do seu texto, mas esse título de "primeira consulta ao analista" não me parece refletir o que escreveu. De qualquer forma, muito interessante!

    Beijos, Elise.

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  11. É, ELise? Sabe que eu tb não gostei dele? Mas estava querendo postar logo e por isso deixei assim mesmo.

    Tb coincidiu com o fato de eu estar iniciando terapia e não ver muito ainda sentido direito nisso.

    Faço mais por pressão da galera mesmo.

    Beijos

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  12. Você aprendeu a usar vírgula, sim. Talvez ela não esteja no texto, e sim na leitura que fazemos, sempre de fio a pavio, de um fôlego.
    A rigor, nós todos não sabemos quem somos. A palavra, o texto tem a capacidade de eternizar o momento, flagar o instante, que não voltará jamais, ou voltará sempre. Depende do ângulo do observador.
    Menina, você escreveu depois do banho; ficou limpo e funcionou como um jogo de ping pong.
    Binário, rápido e ótimo. A propósito, eu também não entendo nada, e depois que percebi isso, ficou mais gostoso viver. Siga adiante, precisamos muito. Beijos.

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  13. Virgulas...matei essa aula e até hoje Deus me castiga por isso.

    Você tb não sabe pra que veio? Caramba, que lagal! Adoro malucos cofessos!

    Beijos e obrigada de sempre.

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  14. Eu, viciada em Blogs, sei lá como vim parar nesse, sei que acabei lendo e gostando, porque não há como não se identificar...E quando paro e olho quem escreveu...Élika!
    Perai, até hoje só conheci uma, olho a foto e vejo, é ela mesma, a mãe do Hideo!
    Muito tempo se passou e você parece estar conservada em formol!Felicidades.
    Flávia

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  15. bello!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    Bella l´idea, bello il contenuto, bello il modo di dirlo, creativo, intelligente, profondo, ben scritto.....secondo la mia modesta opinione ma quel che conta é proprio l´opinione dei lettori, giusto?

    Anna

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  16. Flávia? Ai jesuis! Me desculpe senão consigo ligar o nome a pessoa...Flávia da onde? Será quem eu estou pensando? Vai saber...

    Anyway... obrigada pelo "conservada em formol". Na verdade é em epidrat olhos e Revaleskin day. Caríssimos, por sinal. Vamos combinar. Ainda bem que vc percebeu o meu esforço.

    =P

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  17. Anna! La mia professora del mio cuore!

    Ti accolgo con grande affetto qui.

    Grazie per il commento.

    Sappia che sono diventata sua fan (non so come scrivere fã. Dãããã).

    Bacione

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  18. Hahahahah!
    Estou aqui rindo...Pois é, provavelmente sou quem vc está pensando...a ex boadrasta do Hideo!Quando seu filho ainda era uma criança.
    E eu imagino, se a Nara está desse tamanho, O Hideo deve ter pra lá de 1,80 e mil namoradas !!!
    Que coisa ,né? coincidência mesmo, acho que tem uns 8 anos que não tenho notícias de vcs!
    Bom saber que vc está bem e que sua família só cresce!!!
    Mil beijos
    Flávia

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  19. Chegueeeei! Nossa, quanto tempo! Parece até um reencontro entre amigos. Essas provas!!
    Professora, o que mais gosto nos seus textos é a condensação de simplicidade e sinceridade. Isso enobrece o texto e, ao mesmo tempo, o torna modesto.
    Sobre ser ou não ser. Estamos em uma constante mutação, quem sabe não é melhor estar? Estou assim, amanhã daquela maneira.

    Amei tudo.

    Novamente perdoe minha ausência .
    Já amo esse espaço.
    Beijo grande
    João

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  20. Flávia?!!!!!!

    Caraca! Era vc mesma quem estava pensando!!!!!Hideo está lindo, Nara está linda e Yuki lindo também. Eu só faço filho bonito. Dei a maior sorte!

    :-)

    Hideo está namorando sim e eu agora estou treinando para sogra. Tenho me saido super mal. Vamos combinar. Esse texto era para falar sobre esse meu probleminha com essas "fedorentas'" que Hideo anda, mas acabou que ficou diferente e deixei assim mesmo.

    Bom te ver. Adorei a visita e espero recebê-la sempre aqui.

    Milhões de beijos

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  21. Isso João, puxa meu saco mesmo sem precisar!

    Quanto à nossa mutação, fiquemos com a frase do Maluco Beleza:

    "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela opinião formada sobre tudo."

    Beijaço!

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  22. Élika,
    Vou estar sempre por aqui lendo!
    Adorei seus textos!
    Beijos nos filhos lindos, No Nelson, e na nora..hahahah!Relaxa que ele ainda vai te dar muitas noras legais!
    Vou te procurar no orkut!
    Beijos,

    Flávia

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  23. Elika,

    Que ritmo bom tem esse texto, te conheço só pelo o que você escreve e o que sei de você é que vc tem um ritmo delicioso, que envolve e da vontade de ler mais, saber mais de Elika e seu mundo...
    Parabéns e felicidades!

    Besosss

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  24. Meu amor,
    Este texto está num ritmo fora do comum, o quê você conseguiu fazer dessa vez não é brincadeira não, é para poucos...

    Desde a primeira vez que o li fiquei meio sem palavras, por isso a demora do comentário, não sei como um texto tão curto pôde ter ficado tão extenso em qualidade; você chegou, escreveu o que estava pensando e concluiu sua ideia, ou a falta de ideia, rápida e precisamente, ficou leve mas sem ser superficial, aliás, profundo até demais.

    São aqueles textos que dão a maior pena quando acabam, dá vontade de ir lendo cada vez mais devagar só para estender um pouco mais o prazer desta leitura, já o li umas 5 vezes e ainda fico torcendo para ele não acabar. Sensacional.

    Você está elevando muito o nível disso aqui. O que era para ser apenas uma brincadeira está ficando muito sério, que bom.

    Quanto ao assunto, só para deixar claro o que eu penso, é o seguinte:

    1) Nós somos aquilo que os outros falam da gente, ao menos fomos naquele momento em que passamos aquela impressão. Alguém pode ser um maior barato, mas se ele foi chato no dia em que o conhecemos, então ele é um chato.

    2) Nós somos aquilo que pensamos ser. Se eu acho que sou um poeta, eu sou e pronto, vou viver tentando fazer poesia de verdade, e nisso já está a própria poesia. Se me sinto um atleta, eu sou e pronto, vou morrer de ataque cardíaco na beira do campo, mas não vou perder a chance de marcar o meu gol.

    3) Por fim, somos também aquilo que poderíamos ter sido se a vida tivesse tomado um outro caminho, somos todos atletas, poetas, músicos, atores, professores, escritores...

    bjs

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  25. Raquel,

    Obrigada pelo comentário. Seu blog está maravilhoso. Passo sempre lá.

    Beijos

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  26. Nélsu,

    O problema é esse. É achar um caminho dentro desse labirinto e dentro de toda essa pluralidade ter que falar na primeira pessoa do singular.

    Muitos se perdem.

    Eu tenho me divertido.

    Beijos e nos vemos na sala daqui a pouco!

    =P

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  27. Élika, em junho do ano passado estava procurando algo no Google e por acaso vim parar no seu blog. Tinha 15 anos, estava grávida de 2 meses e disposta a abortar. Aqui havia um texto sobre o aborto que li e reli e GRAÇAS A VOCÊ hoje tenho uma menina maravilhosa que significa o mundo pra mim. Ontem foi meu primeiro dias das mães e vim te agradecer por isso. Muito obrigada pelas palavras que não foram diretamente pra mim, mas me deram coragem para ter minha filha. Desejo em dobro toda felicidade que ela me proporciona para você e toda sua família. Beijos !

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  28. Eu bem que gostaria de me resumir assim tao bem
    ser tao precisa no meu ser e no que penso...
    mas sempre existe aquele velho cliche "nao sei o q quero mas sei oq nao quero..."
    ai que saudade de ler esse blog!
    estou tentando ser assidua mas o corre corre ta dificil!
    Obrigada por sempre ter textos tao gostosos de ler.
    bjos

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  29. Quanto ao comentário da "anônima" eu não sei o que dizer.

    Choro. Emocionada.

    Quem sabe tenha palavras mais tarde...talvez quando os olhos secarem um pouco...

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  30. Este comentário foi removido pelo autor.

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  31. Ingrid,

    Para de falar e vai escrever! Chega de perder tempo.

    :-D

    Beijos

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  32. muito massa, Elika! sucesso! (:

    beijos, Hugo.

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  33. Prof.
    Se soubesse desse seu talento na época do Pentágono pediria um autógrafo, daqui a pouco montarei um fã clube!! D+++ seus textos, não canso de lhe dar os parabéns e compartilhar seu blog!

    BJs

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  34. Rafael,

    Muuuuuito feliz com seu comentário!

    Volte sempre! =)

    Beijos

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  35. Por favor, gostaria de saber como curar a dependência da minha filha com seu analista? Ela começou a fazer análise há um ano e agora não vive mais sem ir ao analista e isto está um problema pra ela e toda familia

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  36. Por favor, gostaria de saber como curar a dependência da minha filha com seu analista? Ela começou a fazer análise há um ano e agora não vive mais sem ir ao analista e isto está um problema pra ela e toda familia. Agora faz tudo que o analista influencia ela a fazer. Até remédio ela toma passado por ele. Minha filha está, em certos momentos, angustiada com esta dependência do analista. O QUE DEVEMOS FAZER?

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  37. Oi, Anônimo

    Não tenho a menor ideia de como te ajudar...

    Sorry.

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  38. Acho que além de ser tudo isso, vc esqueceu de dizer que é uma grande amiga dos 'seus'.
    Pelo menos foi o que eu sempre vi desde que me entendo por gente, no meio de todas as festas no Méier, as viagens a Miiguel e os aniversários em Madureira.

    Saudades

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    1. Anna,

      Larga de ser fofa demais senão eu choro.

      Obrigada pelo comentário.

      Beijos

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  39. Elika.
    Já havia lido e comentado o texto, mas ao ler de novo, torço para que esta tese acabe logo e vc se dedique à esta vocação maior que é a de escrever.Como diria o samba de Leandro Sapucahy, acho que se escreve assim; " Ainda vou ler nos jornais, ainda vou ler nos jornais......

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