segunda-feira, 5 de julho de 2010

A Tristeza É Senhora

Já acreditei até em Deus um dia, mas nunca na psicanálise. Uma terapia para quem tem alguma fobia, alguma compulsão, vá lá. Fora isso a consulta, para mim, se igualava a dar dinheiro para o padre ouvir sua confissão com o ponto desfavorável de ficarmos sem a penitência e nada que nos lave a alma. Muito pelo contrário. As pessoas que eu conheço e que são adeptas a tal prática falam de mergulhos internos, reflexões sobre o “eu” intensas, de ficar colocando o dedo em feridas já cicatrizadas para tentar entender por que doeu e ainda me recomendam! Um troço de louco, coisa para ir ao psicólogo mesmo.

Pelo fato de não acreditar na força do Bem e muito menos na força do Mal (e na terapia), eu saía por esse mundo despida e desavergonhada. Nunca escondi de ninguém meu medo de dormir sozinha, meu excesso de alegria por ter uma casa cheia, o relacionamento truncado com meu filho mais velho, como para mim é inconcebível ficar longe de meus pais, o orgulho do meu nome e o fato de não tê-lo mudado depois que me casei, minha fobia de insetos, meu medo de envelhecer, minha descrença em qualquer religião, a vontade de crer em alguma coisa, a saudade descontrolada que sinto das minhas irmãs e dos meus sobrinhos, minha mudez nas aulas de filosofia, a dificuldade de aceitar alguém amando meu filho, a tristeza que senti juntamente com o alívio no dia em que ligaram as minhas trompas, a minha supervalorização a leitura, meus pesadelos, a quantidade de relógios que tem aqui em casa, a segurança necessária ao olhar-me no espelho, o desejo de embriagar-me, o orgulho de minha filha, a incapacidade de encorajar meu filho mais novo a dormir longe de mim, a minha dificuldade em dizer não até para atendente de telemarketing, a minha gula e outras tantas coisas que só se deve falar para os amigos mais íntimos.

Com o tempo, porém, por não ter aprendido a controlar os músculos de minha boca fazendo-os descansar com a frequência exigida pelas normas de segurança, até aqueles que nunca estiveram em um divã recomendaram-me para que eu me deitasse em um. Maldita hora em que dei ouvidos aos amigos. E lá estava eu, na terça-feira passada. Deitada. Em silêncio. Pensando sobre o que mais me afligia no momento para começarmos a terapia.

(Demorei a falar porque são muitas as minhas aflições ou porque me sentia um enólogo pagando para provarem o meu Petrus?)

Farei uma mala. Dentro dela não terá nada que não pertença a mim. Mandei um trabalho para participar de um congresso em Salvador e me inscrevi numa escola de Física de Partículas que ocorrerá em Genebra. Nada certo ainda. Mas a possibilidade não da viagem em si, mas da mala preenchida exclusivamente por coisas minhas é a visão do inferno.

(...)

Pesadelo? Que pesadelo? O da semana passada? Nem me lembrava mais do diabo desse pesadelo. Ah sim, estávamos todos num templo budista e começaria uma sessão do avesso de harakiri. Todos, a contragosto, deveriam se matar. Bem, estavam meus pais, meus filhos, meu marido,Lucimar e um punhado de gente.No final, restavam somente minha mãe e eu. Eu pedi para morrer primeiro porque não queria ficar um minuto sequer sem a minha mãe, mas no momento em que ia espetando uma faca, ou melhor, a espada ninja em meu coração minha mãe perguntou se eu não queria ligar para o Hideo, meu filho mais velho, que este ano está morando com o pai. Peguei o celular, saí do templo e liguei para meu filho em prantos, pedi para que ele estudasse, que vendesse a nossa casa e comprasse um apartamento melhor para ele e para o pai. Disse que o amava. Depois, falei com o Ricardo. Agradeci a ele o fato dele ter me dado o Hideo e disse para cuidar bem do nosso filho porque eu ia morrer em minutos. Ao desligar o celular, o pesadelo começa. A sessão esquizofrênica do harakiri havia encerrado. Apareceram duas freiras dizendo que proibiram que aquilo se repetisse. Eu não morreria mais e, no entanto, desesperei-me por continuar viva e não mais poder morrer. Não havia sobrado ninguém. Eu estava só.Voltei para casa, abri a porta e caí no chão em prantos.


(...)

Sim, é verdade, eu me perco quando estou só ou diante da possibilidade da solidão, mas isso não é característica minha. Se você tirar isso de mim, eu deixarei de ser humana.

(...) foram cinco comprimidos que tomei na semana passada. A caixa de Cefalium não tem durado quase nada ultimamente.

Continuei na minha apnéia interna olhando para um quadro feio na parede desejando não fazer parte dele.

A noite, as aulas de italiano. Chegamos num ponto no curso que o importante é falar, expressar-se sobre seja lá o que for na língua de Pavarotti. E lá estava eu falando, em italiano, da mala de novo e do pesadelo que agora eu não esqueceria mais (grande terapia...eu quero é esquecer! Esquecer!).

Hai paura di stare da soli? Perché non fare un patto con una amica? Ho fatto con la mia! Se rimaniamo in soli, vivremo insieme! Basta fare un patto! Stop con questa sofferenza!

Caramba! Adoro isso! Viver no modus simplificadus! Nada de complicar a vida! Basta combinar com uma amiga de ficarmos juntas na velhice. E se eu sentir que ela está tendo um troço, pego a espada de harakiri e me mato primeiro.

Amanhã. Terça-feira. Dia de divã.

Lá vou eu (.) (?) (!) (...)



17 comentários:

  1. Começo todos (tá bom, tá bom... a maioria) os meus dias fazendo uma listagem mental das coisas boas que me rodeiam. Pra minha sorte, a lista é imensa, e se não fosse a velocidade do pensamento, eu só terminava no dia seguinte. Pois então, lá vou eu elencando as belezas do meu mundo: ...Sol, chuva, blog da Elika, ...
    Só que hoje, quando olhei pra esse último item,...surpresa! Pela primeira vez lendo seu blog, tive mais vontade de falar com a pessoa-Elika que com a autora-Elika. Contar casos do tipo depoimentos-pessoais, dar conselhos, dar um abraço, mostrar fotografias de bebês sorrindo...sei lá. Pensando bem, talvez o melhor remédio já tenha sido inoculado, de dentro pra fora, pela sua própria arte.
    Fico aqui então, muitas conexões distante, torcendo pela próxima dose da vacina.

    Assis Dutra

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  2. Prezado Assis Dutra,

    Don't worry. I'm happy!

    Ter uma depressãozinha de vez em quando faz parte da vida. Todo mundo passa por essas crises, mas eu? eu divido.

    Sempre.

    Minha vida é um Blog Aberto.

    Beijos

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  3. Olá, Elika,

    É duro ficar em baixo astral... Principalmente você que é toda "up". Boa sorte com sua análise.

    Você viu o último filme do George Clooney? O dos aeroportos? A primeira parte do filme fala em jogar fora todas as coisas inúteis de sua vida, inclusive alguns relacionamentos. No fim de tudo, a conclusão é que se a gente quiser jogar fora nossas emoções, não sobrará nada. Nós precisamos dos relacionamentos!

    Beijos, Elise.

    p.s. Não entendi bem, mas acho que você quis dizer harakiri? Em japonês, hara é barriga e kiri é cortar. É o suicídio de samurai homem. Mulher faz seppuku, corta o pescoço. Mórbido, hein?

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  4. Pois é, Elise

    Acho que é falta de exercício físico. Esse negócio do doutorado que quanto mais vc lê menos vc sabe, está me deixando depressiva. Daí, o que eu fizer eu acho que estou desperdiçando o meu tempo já que tenho tantas coisas para ler, sacas? Acabo que nem faço nada e nem leio nada como deveria.

    Acho que é isso.

    Vi sim o filme do George Clooney.

    Bom, no mais concertei o deslise do (h)arakiri.

    Pode deixar que já estou resolvendo minhas crises. Uma vez identificado a ponta do iceberg tomamos mais cuidado para navegar.

    Beijos

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  5. Eka, também sinto saudades de vc e dos meus sobrinhos. :-) Também faço psicanálise, aliás, só falta o Tony para entrar nessa! E, sim, a psicanálise dói. Mas a função deles é fazer a gente esquecer o que dói. Para isso a gente precisa resolver o que tá mal resolvido. Enfim... vai comer um sushi! Isso melhora qualquer astral. Eu hein... que sonho...
    beijo, Tata

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  6. Viu? Não falei que era um troço de doido? É um maluco recomendando a dor para o outro.

    Pensar que eu entrei nessa só porque achava chiquerésimo vcs falando o meu analista daqui...o meu analista de lá...

    Agora cá estou eu, tendo que comer sushi para ficar melhor...

    :-)

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  7. Lindona, isso faz parte... se a análise não doer de vez em quando, não é análise... se você passar todo o período e nunca tiver vontade de esmurrar seu analista, não é , de fato, análise. Se vc não ouvir a voz da sua analista nas situações mais improváveis, tem alguma coisa errada.
    Análise machuca mesmo. Mas os efeitos a longo prazo valem a pena... vc já deve ter percebido isso, senão teria abandonado o tratamento. Vai fundo e encara as neuroses de frente!!!
    E PQP, que pesadelo foi esse?! Cruz credo!

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  8. Pois é, havia comentado sobre ele no último post mas não entrei em detalhes, só em depressão mesmo.

    :-)

    O vãobora nos empaturrar de sushi!

    Bjs

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  9. Eh realmente estranho ter essas sensaçoes esse pesadelos. Sao tantos sentimentos que temos durante um dia ruim que, aofinal, ja nao sabemos se eh ainda um pesadelo.
    Mas acho que a terapia pode ser um bom caminho.
    Continue contando pra gente!
    bjoos

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  10. Bravo! É uma coisa difícil falar de si mesma. E você conseguiu, com o mesmo bom humor.
    Lemos as frases de um coração generoso na maior parte do tempo, e que não compreende muitas coisas.
    A melhor coisa para sair de momentos difíceis ou críticos é companhia. Você está certa, sempre está.
    Falando, escrevendo, e lendo. São coisas que fazemos quando estamos em perigo. Ou ficamos e enfrentamos (desde que a luz esteja acesa) ou fugimos (desde que haja sebo para as canelas). Escreva, e estou sendo declaradamente egoísta. Escreva e se livre. Muita gente escreve para se livrar do que o aborrece.
    Análise, confissão, livro e escrita. Misture, adicione açúcar e beba. Beijos e obrigado, sempre.

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  11. Pode deixar que eu conto tudo!!!!

    Minha vida é um Blog aberto!

    ;-)

    Beijokassss

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  12. Djabal,

    Que papo é esse d'eu estar sempre certa?

    Euzinha??? Fala sério, amigo!

    Mas que eu boto pra fora, ah!, isso eu boto mesmo. Ninguém pode reclamar que eu não falo.

    Beijos

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  13. Deise!

    Que bom te ver por aqui!

    Tricotaremos em breve sobre o tema!

    Beijos

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  14. Olá menina! Realmente sua vida é um blog aberto sem caracteres apagados. Já estive down muitas vezes e o melhor remédio pra mim é chorar ou ouvir Teatro dos Vampiros. Depois fica tudo bem, pq eu lembro da obrigação que tenho de estar alegre e agradecer ao Universo pelas belezas e prazeres que posso desfrutar. Aí eu canto um samba e fica tudo bem!

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  15. Pois é Luciana,

    Eu tenho essa mania de escrever e quando não escrevo saio falando. Seja lá para quem for. As pessoas ficam preocupadas comigo, por ser muito transparente, mas o saldo tem sido positivo!

    :-)

    Beijos

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  16. Sinceridade é tudo, gostei, vou te seguir, bjs Cynthia.

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