domingo, 3 de outubro de 2010

Bússolas. Quando arremessá-las?


Irisneide veio do interior de Minas, com seus filhos Emerson e Thales. Um de cinco anos o outro de oito. Chegou com destino certo. Trabalhar na casa de Aline, filha de Penha e minha vizinha. Moramos na mesma vila no subúrbio carioca. Aline terminou o ensino médio ano passado e veio para o Rio fazer um curso profissionalizante. A mãe, o pai e a irmã de Aline moram no mesmo lugar de onde veio Irisneide. Por se conhecerem e por gratidão, Irisneide veio fazer companhia e comida para Aline.

Assim, no início desse ano, meu filho Yuki de quatro anos ganhou de repente dois amiguinhos que, a princípio, tiveram dificuldades em arrumar vaga em uma escola aqui perto. Todos os dias, Yuki brincava com Thales e Emerson. Dividia brinquedo, comida e a atenção de todos da  nossa família.

O problema é que Irisneide é da pá virada. Menina nova, de 22 anos, cheia de vida como dizem os que não a acompanham. Não nasceu para viver sem amigos, sem forró e sem tatuagem e talvez por isso os filhos dela até dormiam de vez em quando aqui em casa e meu filho se divertia tanto quanto Irisneide.

A convivência se estendeu por sete meses até que a patroa descobriu que Aline estava ficando muito sozinha em casa, quando não ficava cuidando de duas crianças enquanto Irisneide estava digamos, balançando o esqueleto não necessariamente ao som de uma música. Penha veio de Minas sem querer conversa. Pegou a danada da Irisneide, o Emerson e o Thales e levou todo mundo de volta. Justo agora que eles haviam conseguido vaga na escola e eu havia comprado copos com o nome deles.

Yuki ficou sem amigos, a casa ficou vazia e com o "copo-Emerson" e o "copo-Thales" no armário que nem deu tempo de dar para eles levarem de presente. Foram embora para Minas e para sempre.

Agora tenho que explicar para uma criança o por quê dele nunca mais poder ver os amigos. Por mais que eu fale que eles foram morar longe, em uma outra casa, em outro Estado, ele não entende. Yuki não aceita tamanha perda sem uma boa e detalhada explicação. A questão é que eu também não entendi direito. Não entendi o por quê do fogo e também não entendi o por quê do gelo. Hoje até fui surpreendida na cozinha olhando os copos fixamente. Não os estava entendendo também. Como vou (se é que posso) dizer para meu filho que viver ultrapassa qualquer entendimento e que é preciso, às vezes, entregar-se à desorientação?


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12 comentários:

  1. Mãe,
    vou de dizer um clássico:

    Você é D+!
    Beijão da
    Nara

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  2. Nara, vou te dizer outro clássico:

    Como é grande o meu amor por vc!

    Beijão

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  3. Mesmo que eu não saiba como te ajudar nessa tarefa.
    Só de ver a troca de carinho entre Nara e você já me valeu.
    Milhões de beijos.

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  4. Minha linda,
    Este texto não tem nada de "só para registrar". Está lindo, emocionante, muito bem escrito e com o seu estilo empregnado em cada linha.

    Quanto ao Micuim...

    A gente sofre mais com as tristezas dos nossos filhos do que com as nossas próprias aflições. Li em algum lugar que isso é uma característica dos mamíferos, sei lá; mas a vida é assim mesmo, cheia de alegrias e desabores, chegadas e partidas, desorientações individuais e coletivas; e o mais legal disso tudo é a nossa tentativa de vivermos orientados num troço que não faz o menor sentido. Haja bússola para isso tudo. E terapia, é claro.

    Beijos

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  5. Se há algo difícil de explicar e entender na vida é essa tal amizade. Se você fizer um rápido
    levantamento nas suas "sólidas amizades" que se desfizeram ao longo do tempo ficará,certamente, com a mesma interrogação que o nosso "pequeno amendoim sem casca".
    .......... É A VIDA É BONITA E É BONITA.
    Luis Manuel

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  6. Pois é, Luis

    Por isso não consigo ajudar meu filhote.

    Bom te ver por aqui.

    Beijo

    Saudades da serra!!!!!

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  7. Eu faço terapia, Nelso. Eu!

    Tudo bem que não adianta nada mas EU faço!

    Capisci???

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  8. As pessoas não cuidam mais das relações entre si. Apenas agem. Cortam, serram, eliminam.
    Nós, os pais, temos que lidar com as frustações dos filhos.
    É uma tarefa indigesta. Mas tenho certeza de que vale a pena. No longo prazo.
    Sofreremos juntos por todo caminho, mas, ensinamos o que deve ser preservado.
    De resto, nada faz muito sentido mesmo.
    Li um escritor americano D'Ambrosio que escreveu: Um minuto de amor, vale por todo amor que há no mundo.
    Do mais, bem escrito como sempre. Beijos .

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  9. Obrigada, Djabal.

    Sempre uma alegria te ver por aqui!

    Beijo

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  10. Luis,
    saudade da serra, e não, do Serra, ouviu?

    Elika,
    EU também faço terapia, só não é a convencional, entendeu?

    Li um escritor francês Ambroise, o Paul Valéry, que escreveu: Nossos pensamentos mais importantes são os que contradizem nossos sentimentos.

    Beijos
    Anderson Clayton

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  11. Anderson Clayton,

    Paul Valéry é um dos meus preferidos e ele tem um pensamento que muito se adequa a vc:

    "Um homem sério tem poucas idéias. Um homem de idéias nunca é sério."

    Sua cabeça fervilha, ômi!

    Continue se tratando.

    Beijos

    Becelika

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