segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Gestação


Lá estava Juliana caminhando em direção à central para pegar o trem das 16:50h. Vinha sem pressa, sem ambição, sem desespero e também sem raiva embora, no fundo de seu coração Juliana carregasse, como todos, uma certa incompreensão sobre algumas coisas que acontecem no mundo e  sobre outras que não se realizaram. Principalmente com ela. Juliana.
Vinha a moça portando seu útero inútil e uma bolsa que dentre outras coisas trazia uma marmita vazia, um livro de Paulo Coelho e um batom que ela já não via mais necessidade de usar, mas  que carregava por precaução, pois a esperança é assim. Como uma maquiagem sem utilidade guardada na bolsa de Juliana que em nada contribui para a beleza desse mundo. Vinha com a humildade de uma a criança descalça que pede para a gente alguma moedinha. Ia como tantas mulheres que vem e vão por todas as calçadas, que já tiveram dias vividos com os nervos expostos e incontáveis noites sem sonhos e sem gozo.
Andava com seus passos sem importância e sem marcação. O tempo de viagem para casa não era contado regressivamente por ninguém. Seguia, portanto, com a força da conformação, semelhante aquela que nos empurra para o cinema e que nos permite o riso mesmo após termos lido uma notícia de um crime hediondo nos jornais.
Voltava para casa essa Juliana como voltam as Marias e as Lúcias da Igreja. Com a falsa leveza conquistada ao preço de alguma parca penitência. Seus cabelos estavam soltos como seus pensamentos. Preocupava-se com uma conta atrasada, comprou pipoca doce, olhava para algumas bijuterias expostas por um chileno e achou a blusa daquela senhora muito bonita.
Trazia consigo seus quarenta anos, a disposição para viver mais trinta e uma vontade muda de fazer alguma coisa bem excêntrica.
Foi então que aconteceu.
Esperando na calçada o sinal fechar para poder, enfim, após metros de insípidas divagações, atravessar a Presidente Vargas, Juliana viu dentro de um táxi que acabara de parar quase em cima da faixa de pedestres, um menino de aproximadamente cinco anos que a olhava. Juliana se assustou. O menino sorriu e mostrou-lhe a palma da mão dando-lhe um tchau como vinha fazendo para todos que o notavam desde que saiu de casa. Juliana, tão indiferente para o mundo e tão insuficiente para ela mesma, interpretou aquele gesto como um doce olá dado somente por aqueles que se conhecem e se reconhecem no meio de uma multidão.
Juliana sorriu e enquanto seus lábios ganhavam um novo formato, levou às mãos ao ventre e lembrou-se de Pedrinho, o nome dado ao fruto de uma gestação de três meses que não perseverou por problemas hormonais jamais solucionados. Retribui a moça aquele cumprimento - mal sabia ela - indiferente com a inércia de seu corpo ou - que diferença faz?,- com a sua própria alma.
        As pessoas a empurravam ou simplesmente se desviavam da Juliana do mesmo modo que se desviam de um poste para cruzar a avenida. Resistente a insensibilidade e a desatenção dos transeuntes, o olhar dessa Juliana mantinha-se fixo naquela mãozinha, o seu coração infértil disparava, suas pernas tremiam e as buzinas emudeceram.  Aqueles segundos de sinal fechado tiveram, para essa senhora, a densidade das horas.
Ao ver o automóvel partir, Juliana correu desesperada na tentativa de sei lá, meu deus. Nada mais incompreensível do que a dor de uma mulher vendo um álbum de belas imagens fotografadas de seus tantos devaneios ser levado por um táxi.
A impura poeira do asfalto tratou de enegrecer o corpo e os sonhos desta pobre moça. Coube ao ônibus 373, impetuoso e desatento, como todos aqueles que viram e veem tantas Julianas, dar fim a essa história.
 
 
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8 comentários:

  1. Eu sabia que isso ia sempre dar pé!

    Tu escreve paca.

    Tenho dito.

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  2. Muito gradecida pelo comentário!

    Eternos gradecimentos pelo apoio e pelo centivo.

    É nóis, amigo.

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  3. Essa obra tem mesmo que acabar pra vc escrever coisas mais alegrinhas...

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  4. Mas saiba que meus textos não refletem meu estado de espírito, ok?

    Aliás, é beeem interessante isso. Escrever sobre uma dor que não me pertence.

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  5. E aí... passeando no seu blog, sou atropelado junto com a Juliana, ou por causa dela, por uma história com esse peso e profundidade...coisa de quem sabe uquitá fazendo. A gente ve logo, com muita clareza que, de fato, o que existe mesmo na verdade, é a Juliana que sai da cabeça da Elika e vem atravessar as ruas com a vida e sua dor (por pouco eu não consegui segurar a danada antes de...) Ah, muuuuito estranha a sensação de que inventada é a imagem da notícia, fria e quase alienígena, feito uma lápide.
    Obrigado (de novo!)
    Andre Nakamura

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  6. Que bom que te agradei, André!

    Que presente para mim saber que houve emoção "do outro lado".

    Obrigada você!

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  7. Comecei a ler seu blog e não consigo mais parar... Muito fantástico!

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  8. Seja lá quem for, fiquei mega feliz com o comentário!!!

    =)

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