segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Parados na Estação


Sempre tive algumas divergências com o Nelson ao longo de uma convivência intensa de mais de duas décadas. Algumas são corriqueiras que em nada afetam nem o meu norte nem o zigue-zague cambaleante nas veredas que meu marido percorre. É o caso, por exemplo, da opinião de um filme ou de uma música. Marina, morena Marina você se pintou é horrível. Só de ouvir fico com vontade de esganar o aparelho de onde essa música esteja saindo - mesmo que este seja as cordas vocais de meu bem. Você tem que vir comigo em meu caminho e talvez o meu caminho seja triste pra você... comigo não, violão! A mulher que acha essa música linda e romântica não pode jamais reclamar de maus tratos! João Bosco é nojento! Compõe muito bem, mas vai cantar com aquelas caras e bocas longe de mim! Arghf. Enquanto a Bola não rola não rola! e Matrix foi um dos piores filmes que já vi nessa encarnação! Coisinhas assim que vivo dizendo com muitas exclamações que refletem toda a força de minha opinião e que ele nem discute, pois sabe que a porta está completamete fechada e que atrás dela jaz um coração peludo. Nada, absolutamente, nada demais. Porém, há outras que me fazem parar um pouco esse trem e descer com ele numa estação qualquer só para refletirmos sobre o rumo dessa viagem. E será sobre uma delas que divagarei.

Quando éramos muito mais jovens não somente os tempos eram outros, mas O Tempo corria muito mais lentamente (como ainda hoje ocorre com a juventude dos nossos filhos). Pensávamos que a vida oferecia uma perspectiva infinita e nos sentíamos sempre desassombrados em relação à solidão acreditando que estaríamos a todo e qualquer momento reunidos cantando, bebendo e jogando conversa pela janela com aquele mesmo grupo. De repente, porém, percebemos que não vemos um primo querido, um tio engraçado e alguns dos amigos (que quiçá até foram inimigos! (mas hoje o que importa?)) há dez, quinze, meodeos...vinte anos atrás! No momento dessa impressionante constatação e diante de uma possibilidade promovida pelo facebook de rever o grupo da escola e dançar com eles ao som das mesmas músicas que outrora movíamos nossos corpos de modo inovadoramente cadenciado para a época, soltei fogos e dei cambalhotas de tanta animação. Nelson sentiu algo completamente diferente do que fez meu coração acelerar por conta da endorfina liberada pelo convite. Achei isso muito estranho porque estudamos na mesma escola e nossos amigos sempre foram os mesmos com algumas poucas exceções.

Pára, maquinista!

Nelson tem lá suas razões e as expôs do seu jeito paciente na esperança que eu aceitasse como natural algo que inicialmente para mim seria inconcebível: não querer rever velhos amigos. Ele entende que há algo que não se pode redimir nas separações. Para ele, jamais voltaremos a estar juntos, pois quando nos revermos, perceberemos que fomos separados por uma distância medida em anos. Transformamo-nos demais.  Poderemos falar, dançar, brincar; mas não estaremos nos 'reencontrando', pois seremos outras pessoas. Estranhas umas para outras. O amigo, que eu me animo em encontrar, se perdeu com essas tantas rotações da Terra que fez o tempo ficar tonto e leviano. Por isso, Nelson prefere usar esses minutos, cada dia mais preciosos, com pessoas que ele ‘conheça’ de verdade.

Mas terá razão essa feroz lógica de meu amor? Sim, há razão. Não podemos negá-la. E eu, infelizmente, não tenho argumentos tão coerentes quantos os do meu marido para discutir e por isso silenciei-me. Sinto, porém, um ligeiro e pungente desconforto. Há razão. Mas... não há paixão. Ao ouvi-lo, senti que a vida vista assim parece absurdamente triste. É necessário levar todas as coisas para o campo-santo? Eu imaginei rever pessoas voltando de longas viagens, ricas de muitas histórias e com conversas portentosas de tanta novidade. Concordo que para sentir a mão do outro precisamos agarrar ambos a uma velha ninharia e o momento ‘se lembra quando...?’ será inevitável. Mas não percebo que estamos falando de pessoas já falecidas, de um passado enterrado ... porque se assim for (ando ainda pensando) para que viver? Por que amamos tanto um dia e para onde vai a nossa afeição aos novos amigos? Não há sorrisos verdadeiros e muito menos gargalhadas destemidas num presente desvinculado do passado, meu bem. Precisamos todos reencontrar a liberdade sadia de outrora para percebermos que ela não se perdeu e não se perderá jamais.

A conversa não terminou com uma das partes mudando de opinião, como ocorreu em tantas outras paradas desse comboio. Nelson deve ainda estar pensando, mergulhado em tanta necrologia, que quando outros o virem, terão uma miragem de um náufrago fazendo um apelo. Quanto a mim, acho que não convém pensar muito mais no assunto, pois a vida é curta e, enquanto pensamos, ela se esgota. Por isso, dou agora um fim a essa amarga tolice sem nem ao menos um ponto final

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20 comentários:

  1. É eu tenho tendencia a concordar com o meu amigo, e com o risco de não ter entendido muito bem o raciocínio filosófico, vou exemplificar com um fato que me aconteceu.
    Quando ainda criança fiquei super emocionado e impressionado com o filme Marcelino pão e vinho, esta emoção conviveu comigo por mais de 30 anos até que resolvi rever o filme principalmente para mostrá-lo à minha filha então uma adolescente, e qual não foi a minha surpresa, pois não só achei o filme ruim como se apgou em mim toda a emoção que tinha me causado na referida época.Por isso há que se ter cuidado em reviver emocões que estão desconectadas a tanto tempo.É assim que eu vejo.

    Beijocas

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  2. Pois é, Maza. Eu tb tive uma decepção assim quando fui visitar o quintal de minha antiga casa em Pilares. Levei um susto porque para mim ele era enooooooorme. O quintal sofreu um encolhimento de 80%!!!! Não entendi nada.

    Sei que Nelson tem razão.

    Isso é o que mais me incomoda.

    beijos

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  3. Em tempo:

    Eu vi Marcelino Pão e Vinho no cinema e até hoje há cenas desse filme que jamais me esquecerei.

    Me deu até vontade de rever o filme, mas seguindo sua experiência, ficarei só na vontade mesmo.

    =)

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  4. Pois é Elika
    Estas cenas que foram tão fortes na minha personalidade infantil e que tinham deixado memórias que vez em quando afloravam, foram completamente apagadas ou se tornaram desinteressantes quando eu as revi com olhos e personalidades adultas, acho que trocaram o meu HD e colocaram um sistema operacional que não mais reconheceu os softwares antigos.
    Não ouso mais jogar "Pac Man", me basta lembrar o quão divertido foi ter jogado!

    bjs

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  5. Oi, Elika,

    Parabéns, a abordagem do assunto é muito interessante, e obviamente, sem fim. Você verá que várias pessoas terão opiniões como a sua e outros como a do Nelson. Eu, particularmente, como sou organizadora dos encontros da turma, posso dizer que me aproximei bastante de gente que nunca foi muito próxima à mim durante a faculdade, assim como continuei meio distante de outras que nunca me foram muito simpáticas. Mas aquelas pessoas que eu sempre curti, parece que nunca estiveram longe, mesmo que nós nos encontremos apenas uma vez por ano. Sim, mudamos todos, mas às vezes para melhor.

    Falando do texto, quero comentar a construção da estrutura de concatenação de motes.

    Como você enfatizou por um longo parágrafo as músicas que você não tolera, achei que você poderia ter desenvolvido mais o rememorar as músicas de velhos tempos e as emoções que elas podem balançar não só os corpos mas as lembranças de vocês.

    Não entendi o "jaz um coração peludo." O verbo nessa conjugação é muito usado em situações como "aqui jaz o morto", por isso, se estamos falando de um coração que pulsa, o verbo "jaz" me dá a idéia de um coração morto. "Peludo"????!!! De onde saiu essa metáfora? Ou será que é o tórax peludo onde pulsa um coração teimoso?

    Já que você falou que desceu na estação para discutir as idéias, poderia ter finalizado o texto dizendo que subiu novamente no trem com o Nelson, seguindo a vida com ele, apesar de não ter concordado 100%.

    Vamos concordar que nós só começamos a conversar depois que você virou adulta e começou a escrever o blog. Até então, você era uma priminha distante. Num dado instante, apareceu algo em comum, não é? Isso não teria acontecido há 10 anos atrás.

    Beijos, Elise.

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  6. Oi, Elise

    Obrigada pelo comentário. Levei umas 3 semanas trabalhando o texto. É muito difícil para mim colocar um sentimento desses em frases. Fiquei muito feliz que, embora o texto esteja curto, eu falei o que queria. Quando eu achei que consegui me expressar fiquei tão satisfeita que nem pensei em me estender mais em parte alguma, embora concorde com vc que poderia tê-lo feito.

    O 'coração peludo' é o termo que o Nelson usa para se referir à minha falta de sensibilidade. Acho engraçado quando ele diz isso e usei esse termo.

    O verbo jazer tem lá seus outros significados: estar morto, deitado, fundado, apoiado... concordo que 'jaz um coração' é quase um paradoxo para o texto, mas deixa estar. Eu pensei muito no verbo para a frase e achei super interessante vc ter se incomodado.

    Eu não voltei para o trem porque estamos realmente ainda discutindo se vamos ou não a tal festa. Será Sábado e até lá, seguiremos refletindo sobre a vida 'Parados na Estação' . =)

    E é exatamente por ter te reencontrado e de trocarmos tantos ideias hoje que eu fico olhando para cara do Nelson com desconfiança.

    Não é possível que ele esteja certo! =)

    Beijos, prima!

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  7. Oi, Elika,

    Eu não gosto de me meter na relação de um casal, mas se há algo que eu prezo na minha independência é a idéia de que um casal não precisa estar grudado nas festas. Se o parceiro não quer ir mas o outro quer, porque um não pode ir sem o outro? Bem... deixo a polêmica para vocês. Afinal de contas, não estou sozinha à toa.

    Beijos, Elise.

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  8. =)

    Ah sim, claro!

    Ele disse: Se isso é tão importante para vc...vai sozinha.

    Eu crente que ele ia falar que ia comigo. =D

    Ô vida... Então, isso é bem possível de acontecer mesmo. Mas, mesmo assim, eu gostaria que ele visse a coisa um pouco de outro ângulo.

    E... ô vida... temo que ele esteja certo.

    Seguimos parados na estação. Na verdade, Nelson já foi. Eu que continuo parada aqui. =P

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  9. Adorei o texto, meu amor.
    Mas acho que o assunto é um pouco mais complicado...
    Eu mesmo ainda não sei direito o que me incomoda tanto nestes encontros. Sei que posso estar completamente enganado, mas alguma coisa não me bate bem.

    Quanto ao "coração peludo", um colega usava essa expressão lá na plataforma quando alguém estava com muito rancor, e ainda completava dizendo que iria comprar um prestobarba para raspar aquele coração.
    Eu achei engraçado e passei a usar a expressão.

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  10. Seguimos, então, parados na estação...

    =P

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  11. Olá Elika,
    tudo bem? Visito aqui sempre discretamente, desde do Cern :) Mas hoje resolvi comentar.

    Puxa, sempre penso nisso. E posso dizer que passei pelas duas situaçoes: ja fui Elika, ja fui Nelson. Nesses encontros ja reencontrei amigos queridos, que ficaram guardados por um tempo. E perdi outros, também. Mas acho que no balanço vale os que ficam, porque os outro ja tinham ido mesmo, a gente que nao percebeu...

    Boa festa :P
    Analu

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  12. Sinto informar mas concordo o Nelson.
    Vivi essa experiência há pouco, e sinceramente, não me fez bem.
    Os amigos que tivemos a 20 anos não existem mais- se transformaram em outras pessoas que talvez não seriam suas amigas hojes.
    Prefiro lembrar dos amigos que tive. Eles sim são um pouco de mim.
    E hoje sigo escolhendo meus amigos a cada encontro e desencontro dessa vida, de diferentes tipos e jeitos, mas que sempre me fazem rir.
    Beijos e saudades da amiga agora virtual.

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  13. Analu!

    Quanta honra te ver aqui!

    Obrigada pelo seu comentário. Qualquer coisa está ajudando a amenizar essa angústia da dúvida. =)

    Beijos

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  14. Adriana? Vai dizer que não quer me reencontrar!!!!! Fala isso não, amiga! =)

    É...eu sei que Nelson pode ter razão...essa é o ponto da dor.

    Beijos

    PS. Saudades!!!!

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  15. Oi Elika

    Eu e Luciana, praticamos esta independência com absoluta siceridade e funciona muito bem, só compartilhamos estas festas quando é bom para os dois e não nos incomodadmos se um de nós vai sem o outro.
    Pelo menos no nosso caso funciona muito bem.

    Bjs

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  16. O problema, Maza, é essa tal de independência. O que é isso? Vende onde? Eu não sei o que é isso! Nunca vi, nem comi eu só ouço falar!

    É claro que ninguém proibe ninguém de ir a lugar nenhum sozinho, mas quando Nelson nao está ao meu lado eu vejo tudo meio cinza, sabe? E fico com vontade de voltar pra casa logo.

    Ô vida... Haja terapia...

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  17. Eu compreendo perfeitamente e não acho que meus amigos tem que ser ou pensar igual a mim, na realidade eu gosto deles acho, porque em alguns casos são e agem diferente, acho que isso atrai e nos leva a querer trocar experiências, emoções e observar atitudes diferentes das nossas. Viva à biodiversidade!!!!

    bjs

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  18. Que a loucura seja respeitada!!!!

    Abaixo a homofobia e a solofobia!

    Dependência ou morte!

    Viva!

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  19. Olá Elika!
    Concordo um pouco com o Nelson e um pouco com vc. Quando fui ao meu primeiro encontro pentagonal, éramos apenas o grupinho pequeno e entrosado do colégio, achei ótimo, mas quando fui ao segundo, me senti estranha, porque não havia só o 'nosso' grupinho, mas os adjacentes ao grupo; a conversa fluiu, mas com algumas panelas, não de interesses distintos, mas aconteceram conversas cruzadas, onde não participavam com tanta intimidade e euforia. Acho que vc deveria participar da festa, não quero criar problemas entre o casal, mas vc tem que experimentar o que seu coração quer, não só analisando pelos olhos de outrem.
    Bjks!
    Claudia

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    1. Oi, Claudia

      O texto foi escrito no ano passado. Eu não fui á festa. Fiquei com medo.

      Mas depois me arrependi. Como vc disse, eu tenho que ver com os meus próprios olhos. E por isso fui ao churrasco sábado. E qual foi minha surpresa ao constatar que era EU que estava certa!

      =)

      Obrigada pelo comentário!

      Beijos

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