quinta-feira, 9 de maio de 2013

Caminho de Ogum e Iansã



Neste ano, Nara, minha filhinha de quinze anos passou a estudar em pleno bairro do Maracanã aqui no Rio. Moramos no subúrbio carioca, num bairro que é sorriso é paz e prazer, o seu nome é doce dizer: Madureeeeira, lá, laiá. ♪♫  Isso significa que Nara agora anda de trem e de ônibus todo santo dia (com exceção do dia de São Jorge que é feriado aqui no Rio) e recebe calor humano às seis da manhã de pessoas que nem conhece. 

Nos primeiros dias, nós sempre a acompanhávamos orientando cada detalhe. Nossa bonequinha fofa nunca havia andado de ônibus sozinha e, de repente não mais que de repente, ela precisou fazer esse trajeto sem que ninguém tivesse ao seu lado para defendê-la de qualquer perigo iminente. Isso foi tenso para nós (digo, nós os pais). Mas antes mesmo do que a nossa vã filosofia pudesse imaginar, lá estava Nara completamente independente, livre e solta (ainda que muito apertada) indo e vindo do subúrbio ao centro da cidade, do centro da cidade ao subúrbio de transporte público. Narinha aprendeu novas palavras e agora fala treissincotrês, meioitocinco, treizoitotrês, ramal saracuruna, belforroxo e diodoro com uma desenvoltura de dar gosto. Ainda assim, é sempre um motivo de preocupação ter uma filha linda andando pelo mundo. Ainda mais de trem e ônibus. Fala sério...O que nos acalma é saber que ela segue tooooodas as nossas orientações direitinho.  

Ontem, por exemplo, Nara dormiu na condução e quando acordou, percebeu que estava em um lugar “jamais visto antes”. Daí que os adolescentes de hoje são mega espertos e diante de qualquer problema (!!!) tem a solução sempre na palma da mão.

- Alô, mãe! Mãe! Tipo. Eu estou perdida! Nunca vi isso aqui antes na minha vida! Mãe? 
- ONDE CÊ TÁ, NARA? NARA!!! Onde você está???? – Respondo perguntando com a tensão que meu posto de mãe me confere.
- No ônibus, mãe! – Nara responde como se eu estivesse feito uma pergunta idiota.
- ONDE CÊ TÁ, NARA? NARA!!!EM QUE LUGAR DO RIO? QUE BAIRRO?- Procuro assumir o controle da situação.
- Mãe? Mãe! Você não ouviu eu dizer que estou perdida? Eu não sei onde estou! Faço a menor ideia! – Responde rindo calmamente a minha filha e, pelo seu tom de voz em si menor, eu sabia que ela tinha certeza que eu conseguiria facilmente adivinhar. 
- PERGUNTA PRO TROCADOR!!! – Oriento. Procuro lhe passar calma e segurança. Respira, Elika, respira!
- Mãe! – Nara ri. – Mãe! O meioitocinco não tem trocador! – Nara ri de novo.
- Nara!!!! Tem motorista? – Pergunto didaticamente após sentir que terei que ir com bastante calma.
- Tem! Tem sim! – Nara responde bem feliz.
- Legal. Pergunta pra ele onde você está – disse baixinho - sem que os outros percebam que você está...
- MOTORISTA! MOTORISTAAAAA! ONDE A GENTE TÁ? – Gritou Nara pelo visto para o motorista do outro ônibus.
- Momomumumumumdadadadidisifufot  gugugutoitoibububu  irajá. – ouvi o motorista falando baixinho algo como se estivesse do outro lado da montanha.Estremeci quando entendi a última palavra.
- Mãe! – Nara ri – A gente tá indo pra Irajá! Onde fica Irajá?
- Nara! – cacildis... eu não conheço nada de Irajá...- Nara! 

Eu queria ligar pra minha mãe para pedir ajuda, mas estava com Nara ao telefone... Mega tenso. 

- O que você está vendo na rua? Você já chegou em Irajá??? Me fala o que você está vendo! 
- Mer-ca-dão-de-ma-du-re ... 
- DESCE AGORA! 

 Nara estava em frente ao Mercadão de Madureira, ponto turístico da nossa cidade, e a debilóide que mora ali pertinho há trocentos anos não fazia ideia de onde estava...aff... muito filhinha de mamãe a minha filhinha linda...

- MOTORISTA! EU VOU DESCER! Abre aqui por favor, motorista! Valeu, motorista!... Mãe! E agora?

A gente mora do lado de cá, ou seja, bastava ela subir e descer o viaduto que estabelece a ligação entre as duas vertentes e ela reconheceria a fauna e a flora do local.

- Está vendo um viaduto? – Falei enquanto abria o gúgol mépis.
- Não.
- Anda mais um pouco.
- Tô!
- Então, é só subir e descer. Vou desligar porque pode ser perigoso você andar e falar no celular, tá? Prestenção e é só subir e descer! 

Ufa. 

Desligamos o telefone. 

Cinco minutos e Nara liga de novo.

- Alô, mãe! Mãe! Eu estou em frente ao Império Serrano! – Nara riu.

Nara desceu antes do que deveria. Era para ter seguido por toooooodo o viaduto e ela desceu no meio do caminho! Agora ela estava em pleno coração de um dos grandes centros comerciais do mundo. O maior furdunço do universo! Já estava escurecendo. Eu tinha que ser rápida e ligeira com ela.

- Nara, sai daí, keep walking! – Orientei decidida.
- Mas pra onde? 
- Vai se distanciando de onde você veio.
- Ai, mãe, tô vendo a Belíssima! Nossa! Uma blusa por quatro e noventa e nove?  Mãe! Uma blusa por quatro e noventa e nove! E não é feia não, hein!?
- Isso. Vai! Anda! – De novo abri o gúgol mépis.
- Você está vendo a Sapatella? – perguntei.
- Sapateeeeellaaaa, tô! Ali! 
- Então, vai nessa direção. Quando chegar lá me avisa para eu te orientar.
- Cheguei! E agora?
- Tem bota?
- Tem! Ai, mãe! Lin-da!!!!
- Vê o preço.
- Trezentos e...
- Ok.  Se concentra, filha! Se concentra! Está vendo a Chiffon?
- Tô. Ali em frente! 
- Então, vai andando até ela. 
- Ai que legal! Quanta coisa legal, mãe! E tudo barato! Amanhã você vem comigo? Cheguei na Chiffon.
- Olha a vitrine.
- Mãe! A Chiffon está com a vitrine ótima! Você ia a-mar aquela blusa! Nossa! Quanta coisa legal! – Nara ria de felicidade.
- Ok. Se concentra, filha! Se concentra! Na mesma calçada...você vê a Sonhos dos Pés?
- Vejo.
- Segue na direção.
- Ai, mãe, que legal isso aqui! Sonho dos Pés! Cheguei.
- Tem bota?
- Hmmm xovêêê... Tem!

E assim eu fui orientando a minha filha sem-noção-mega-esperta-alto-astral  a sair de uma forma bem confortável, segura e útil do centrão de Madureeeeeraaaa lálaiá ♪♫. Enquanto eu falava e fazia com que  ela olhasse para tudo em sua volta, eu  também corria com o celular ao seu encontro. Já havia escurecido e o caminho de Ogum e Iansã é sinistraço.

Assim que Nara me viu, sorriu mostrando todo o aparelho cheio de elásticos. Voltamos conversando sobre a dentista e a aula de canto e piano que ela tivera no meio da tarde. 

Nem sentimos necessidade de falar do fato dela ter se perdido. 

Estranho... Algo saiu tão diferente do planejado e ainda assim pareceu ser tão certo...



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O desenho que ilustra esse texto foi feito pelo artista Sergio Ricciuto Conte






2 comentários:

  1. Muito bom!

    Agora eu posso descer no Mercadão de Madureira e fazer compras!

    Beijos, Elise.

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  2. Awnnnnn que mãe fofa que eu tenho :-) :-) :-) :-) :-) :-) :-) :-) :-) :-) :-) :-) :-) :-) :-) :-) :-)

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