sexta-feira, 29 de maio de 2009

CAMINHADA

Este texto foi escrito no início de 2005. Hideo agora está um rapaizinho...emagreceu, conheceu a Belinha e não quer mais saber de caminhar comigo.


Há um mês atrás meu filho de doze anos resolveu que iria emagrecer, fruto da vaidade que agora desperta por estar chegando à adolescência. Além da dieta a que se submeteu decidiu caminhar todos os dias pela manhã e pediu-me para acompanhá-lo para que o tempo passasse mais rápido. Assim, há um mês acordo com ele já de tênis a me apressar “vãobora, mãe!” e assim, começamos o nosso dia juntos pelas ruas de Madureira às seis da manhã.

Na primeira semana já observamos que certas cenas se repetiam: a avó levando os netos à escola, o homem de bigode que saía com uma pasta e deixava um rastro de perfume barato, o pai carregando a mochila da filha sempre sonolenta ao seu lado, seu Armindo abrindo seu botequim, Dona Ivonete arrumando a banca de jornal, seu Ivaldo indo comprar pão...na terceira semana verificamos que determinados fatos se repetiam em alguns dias apenas. Tem gente que só lava calçada terças e sextas; segundas, quartas e sextas as pessoas se desfazem de seus lixos colocando-os para fora e outros os remexem. Sempre os mesmos lixos. Já sabem onde tem lixo bom.

Expliquei para meu filho algo que ele já sabia, mas como temos que enganar o tempo encurtando–o nas nossas mentes, tentei fazê-lo com palavras. Falei que o nome daquilo do que estávamos fazendo parte era cotidiano. Cheguei a cantarolar Chico, mas logo percebi que Chico se referia ao que acontece das portas de casa para dentro e estávamos do lado de fora. Eu me referia ao cotidiano das ruas, das calçadas em que andávamos, dos bares e padarias do subúrbio carioca.

Estamos na quarta semana e ele demonstrou um certo cansaço desta monotonia matinal. Não há mais nada de novo para nos distrair. Talvez se sairmos dez minutos mais cedo tudo possa mudar, né mãe? É, tudo muda se sairmos dez minutos mais cedo todos os dias. No meio desta nossa conversa, divagando o que mudaria em um curto intervalo de tempo no dia-a-dia das pessoas, somos surpreendidos por um fato que quebrou a nossa mesmice das seis às seis e quarenta. Um homem deitado no meio da calçada, bem vestido, porém, com as nádegas de fora. Nós o vimos de longe e logo me apavorei. Será que está morto? E se estiver, passamos por ele? Chegamos mais perto e vimos que respirava. Babava no cimento. Dormia o infeliz um sono dos deuses pela sua feição. Algumas passadas adiante, ainda digerindo aquela imagem, ouço meu filho surpreso “mãe, que horror, o homem com a bunda de fora! Você viu a bunda dele? Que vergonha!” (...) Ainda em processo de uma difícil digestão que havia começado pelos olhos, entrava em mim, agora, algo pelos ouvidos. Descobri que as enzimas não ajudam muito quando o alimento ruim não entra pela boca. Olhando para aquele ser em formação que andava rápido ao meu lado para perder alguns quilinhos tentei falar algo de peso para a sua vida. Disse que o rapaz, mais do que parte de seu corpo à mostra, estava com a vida exposta. Todos que por nós passavam não nos diziam nada além de bom dia, e que ele ali estatelado no chão, dormindo, dizia a todos que estava com um grande problema. Perguntava se ninguém iria ajudá-lo, ria do nosso medo de nos aproximarmos e do nosso alívio ao vê-lo respirando. Admirava-se com a nossa frieza e gritava para o chão, indignado, que ele não o sentia. Sonhava em não acordar.

No dia seguinte, não saímos dez minutos mais cedo. Não fazíamos mais questão de ver nada de diferente. A calçada onde outrora um homem dormia e a sujava com a saliva que saía de sua boca aberta, estava limpa. Ao passarmos por ela, questionei se o rosto daquele sujeito estaria limpo também da poeira do chão que lhe serviu de travesseiro na noite anterior. Acho que não, ouvi. Nem o rosto dele nem a minha consciência. O menino aprendera uma difícil lição. Entre a insipidez de nossos relógios e a efemeridade da dor impotente, devemos buscar uma terceira opção.

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Nem tanto o céu, nem tanto a terra
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Biciquétala


quarta-feira, 20 de maio de 2009

“Eles Passarão, Eu Passarinho”*

*Mário Quintana

Meu amigo Paulo Andel me deixou, digamos, bolada com um comentário deixado no texto anterior. Disse que sou a melhor memorialista que ele conhece pessoalmente. O elogio me deprimiu pois eu ando incomodada há tempos com isso. Mais precisamente há dois meses. O passado é transcrito sempre sem maiores problemas e quando há dor, melhor ainda. São os textos mais comentados. Se fizesse algum amigo chorar na vida real jamais receberia qualquer elogio. Mas quando os emociono por aqui, por causa de algo que já aconteceu comigo, me abraçam com os braços quando Deus nos permite ou com os dedos clicando em letrinhas que formam palavras de carinho que me envolvem da mesma maneira. Mas ando angustiada. Eu preciso escrever sobre o que está por vir. E eu não sei como fazer isso.

Ando segurando a garganta desde o início desse ano. Querendo conjugar no futuro e estou proibida de fazê-lo.

Deixe-me explicar o motivo: já é sabido por alguns que desde março estou aprendendo italiano. Entrei num curso semi-intensivo lá no consulado da Itália para que consiga, em um ano, me fazer entender na terra da pizza e do capuccino que pretendo conhecer em 2010. A ordem que recebi foi ouvir o máximo que puder na língua italiana (filmes e músicas são bem vindos aqui), falar o que conseguir de preferência para aqueles que me amam (pois somente esses terão paciência) e desejar o hors concours, claro: pensar em italiano. Quem me conhece sabe que sou um bom soldado. Obedeço bem às regras. Cumpro ordens com facilidade. Questiono pouco quem eu escolho para ser meu líder.

Sendo assim não é preciso dizer que meus filhos, minha empregada e meu marido já entendem um pouco a língua de Galileu Galilei. Já sabem o que me incomoda aqui e agora (somente). Chego em casa e grito para meu bambino: Vieni dalla mama! E recebo um forte abraço de Yuki. Ma dai! Questo quarto está una cosa sporca! E Hideo já começa a catar as coisas espalhadas pelo chão. Di chi sono questi revistinhas? Já vou guardar, mãe! Grita Nara de algum lugar. Sai dove sono le chiavi? Em cima do armário, responde Lucimar. A che ora ritornai a casa, ragazzo? Hoje o samba termina cedo, meu amor. Nem vai dar tempo de você sentir saudades...

Ah o presente...como o presente é mole. Mi piace viaggiare. Andiamo al cinema. Mioi genitori stanno molto benne. Io scrivo per voi. Só alegria quando nós o conjugamos. Molto facile vivere somente no presente do indicativo...

O passado? Até duas semanas atrás ele não me importava. Pouco me lixava o que havia feito ontem, aonde fui final de semana. Carpe diem! O que é digno de apreço é somente o agora! Nem queria pensar mais sobre o que já havia decorrido mesmo porque não sabia como fazê-lo. Apaguei o que ficou para trás para não entrar em choque com meus pensamentos. Mas, depois que a professoressa escreveu no quadro PASSATO PROSSIMO, minha vida mudou ou melhor, la mia vita è cambiata! Fui forçada a lembrar de tudo que já fiz, ontem, semana passada, minhas últimas férias... Fui obrigada a abrir o álbum de fotos sem importância tiradas somente pela minha retina e que certamente iam desbotar sob a luz de meus problemas mundanos. E dá-lhe remexer na memória! Ieri non sono uscita di casa. Hideo é arrivato tardi a scuola setttimana scorsa. Sono andata al cinema e ho visto um belíssimo film (a propósito, vejam Divã).

Ah o passado... pensando bem nem foi tão difícil assim...

Mas... a verdade é que sendo mãe de três(!!!), fazendo doutorado, dando aulas, tendo um marido que trabalha numa plataforma, irmãs que moram distante de mim ... eu só penso no futuro! E não posso falar sobre ele pelas regras do jogo porque eu não sei conjugar no futuro na língua do Pavarotti! Estou limitada ou a viver o presente intensamente ou a ficar recordando tudo que já fiz nessa vida. Chego em casa, quero falar para todos que amanhã vou começar academia e não consigo. Não sou capaz de prometer que não vou mais comer tanto chocolate. Ontem ia dizer que ia acordar mais cedo para que hoje não precisasse correr tanto de carro para chegar ao trabalho. Não consegui! Preciso sentar e terminar de escrever esse projeto de doutorado que meu orientador está me cobrando e quem disse que estou apta a dizer isso? Tenho que fazer um curso de batismo para poder ser a madrinha da Maria Rita e como posso fazê-lo? Terei que ler mais sobre Espinosa. Terei, acordarei, não comerei, começarei, escreverei, batizarei... impossível! Impossível! Eu não sei! Eu não sei!

Diante de tamanha ignorância e desta lamentável falta de sabedoria eu andei meio calada. Quando ia dizer alguma coisa, lembrava que era algo que pretendia que acontecesse. Não era nada sobre o hoje, o agora e muito menos sobre o ontem ou o que já se findou. Então, com a boca aberta e o peito cheio de ar, a fechava ao mesmo tempo que me encurvava e deixava que o gás carbônico fosse todo embora de uma só vez. Desânimo. O que foi, meu amor? O que te aflige? Perguntou meu marido preocupado. O futuro, Nelson. O futuro. Eu não sei o futuro!Eu não sei!!! Elika, este nem Deus sabe!!! Intercedeu, agoniada também, Lucimar, minha secretária há doze anos e que me conhece tão bem quanto o chão desta casa que se livra todo dia da sujeira graças ao seu trabalho.

Aflita, peguei o cronograma do curso. Li no capítulo seguinte: FUTURO SEMPLICE. Semana que vem aprenderei. Fiquei animadíssima com o que virá. Mas depois do que Paulo Andel escreveu, dizendo que fico bem falando no pretérito mesmo que seja o imperfeito, estou morrendo de medo...

terça-feira, 12 de maio de 2009

À Sombra do Tempo

Devia ter uns dez anos. Na época, eu só tinha dois irmãos e sofria todos os problemas que um filho do meio se destinou a sofrer. Minha irmã ao nascer antes de mim fez com que minha mãe não se emocionasse tanto com a minha chegada. Afinal a maternidade já havia sido desvendada. Meu irmão mais novo, por ter chegado por último e ser homem recebia em dose dupla, a atenção de meus pais. Do papai por ser homem. Parecia até que papai era rei e meu irmão herdaria todo o seu reino. Da mamãe pela proteção excessiva que todas as mães dão para o filho homem, motivo esse dos homens serem tão menos independentes do que as mulheres. Bem mais tarde, doze anos depois para ser mais precisa, nasceu Lili, a temporã. Por ter vindo tão tarde Lili não fez parte de minha infância e, portanto, não faz parte dessa história.

Senti-me desprestigiada em vários momentos de minha infância, nada que um psicólogo e até eu mesma não tirasse de letra como no dia em que ganhamos três porquinhos da índia. Uma espécie de rato, peludo e sem rabo. Uma graça. Mamãe comprou três. Para não ter briga. Minha irmã mais velha, a que nasceu primeiro, falou primeiro, andou primeiro, e fez todas as gracinhas primeiro, chegava primeiro também da escola e foi a primeira a escolher um dos três roedores. Escolheu o mais bonito, um todo colorido e passou-o a chamar de Arco-íris. O meu irmão, o menorzinho, todo fragilzinho até seus vinte e sete anos, o terceiro filho, nesse dia foi o segundo a chegar da escola. Imediatamente escolheu o porquinho que era todo marronzinho, o mais gordinho, e passou-o a chamar de Fofinho. Quando eu cheguei da escola vieram os dois correndo na minha direção, falando alto e ao mesmo tempo me puxando para onde estava a gaiola. Mamãecomprouporquinhos! OmeuéArcoÍris! Vaiver!ÉoFofinho.Correveroseu! Vemcásãotrêsporquinhosfinhoémeu! Eu fiquei animada mesmo sem entender nada do que eles estavam falando. Dizem por aí que a alegria é contagiante e quem sabe seja verdade.

Ao ver os porquinhos da índia fiquei sem palavras. Meus olhos, cuja retina refletia a felicidade, não piscaram durante alguns segundos. Tão logo ouvi a voz doce de minha mãe que falou atrás de mim. Comprei um para cada um. A minha mudez súbita acabou no mesmo segundo. Afinal, na infância, em várias situações, ganha quem gritar primeiro. Aquelealiémeo! Gritei. Não, a Tatiana já escolheu. Aquelealiémeo! Apontei o outro já estranhando o fato de meu irmão não ter gritado ao mesmo tempo que eu. Não, o Toninho escolheu esse. O que havia sobrado era um rato branco, sem rabo com um capuz preto na cabeça. Nem de longe ganharia o concurso de beleza dos porquinhos da índia. Nem sabia que tinha isso, mas Tata fez questão de frisar que o Arco Íris seria o primeiro colocado no concurso de beleza de ratinhos que aconteceria em Massachútis. Como era a mais velha, mais adiantada na escola e coisa e tal, nem discuti.

Não sei porquê pressenti que o bicho que sobrou fosse fêmea. Segurei na mão e disse: você é a mais feia mas é a mais esperta. Esses dois vão se arrepender em não ter te escolhido. E passei a chamá-la de Pituca.

A vontade de mostrar aos meus dois irmãos que quem ri por último ri melhor deu um trabalho danado para Pituca e ocupou muitas tardes da minha vida. Tentei ensinar um punhado de coisas para ela. Coisas que se ensinam para um cachorro e que muitos deles nem conseguem aprender. Senta, Pituca. Deita, Pituca. Rola, Pituca. Rola, Pituca! Ela não aprendeu nada, obviamente. Mas acabou sendo a mais mansinha e a primeira a cheirar a nossa mão quando nos aproximávamos da gaiola. Meus irmãos riam da minha persistência e pelo fato de Pituca engordar sem parar. A chamavam de gorda, cara preta, burra. Na verdade não queriam ofendê-la, eles a adoravam também, mas sentiam prazer em me irritar. Coisa de irmãos. Até que um dia, ao chegar na gaiola, vi Pituca amamentando dois filhotinhos! Ela não estava ficando gorda, ela estava grávida! Os filhotinhos eram horríveis, nojentos, mas eram dois!!! E em cinco dias ficaram bem bonitinhos. Eu era avó de dois porquinhos lindos aos dez anos.

Pituca teve um casal de filhos. O macho, Piteco, logo cresceu e cruzou com a irmã, Peteca. Piteco cruzou com as tias. Sim, tias. Arco íris e Fofinho eram fêmeas também. Piteco também cruzou com Pituca. Não entendi bem essa história mas sei que no final de três semanas meus irmãos também eram avós e eu era avó de novo. Pituca amamentava todos os filhotes. Curiosamente, Arco Íris e Fofinho não tinham a paciência dela e os filhotinhos deles acabavam mamando na Pituca também. Em pouco tempo a gaiola ficou pequena e papai acabou fazendo um cercado no quintal que logo logo ficou pequeno também. Ninguém gostava de limpar aquela sujeira toda e eu me lembro de não ficar incomodada ao fazer esse serviço. Dar comida, trocar o jornal que forrava o chão, botar água… Até gostava. Quando eu chegava com a ração eles faziam um barulhinho e ficavam em pé cheirando o ar. Um barato de ver.

Num Domingo, pela manhã, fui ver os porquinhos e comecei a ficar nervosa pois, por mais que procurasse e chamasse por ela, Pituca não aparecia. Ela sempre era a primeira a aparecer e se aproximar. Entrei em desespero. Como podia Pituca ter fugido? Acabei a encontrando na área de serviço, atrás da máquina de lavar. Fato estranho. Ninguém soube explicar. Mais esquisito ainda é que numa noite, a noite em que passou fora do cercadinho, Pituca emagreceu muito. Ficou fina. Com feitio de peixe. Fiquei apavorada. Ofereci capim e ela nem fez festa como de costume. Desde então não comeu mais nada, bebia só um pouco de água e numa noite, quando fui limpar as casinhas, vi Pituca morta. Dura. Os outros passavam por ela, por cima dela e parecia que nada sentiam. Aquela cena me chocou. Gritei tanto, chorei tão alto que logo apareceram os vizinhos nervosos perguntando o que estava acontecendo. Meus pais tentavam me consolar mas eu só sentia dor. E doía forte o meu peito. Muito forte. Eu queria saber porque de tantos porquinhos no mundo foi ela quem havia morrido. A melhor mãe de todos os porquinhos, a mais carinhosa, a que levantava primeiro quando sentia o cheiro do capim. Minha mãe não me respondia. Dizia somente que papai do céu a levou, mas isso não era resposta. Porque ele a escolhera? Eu tive ódio de papai do céu. Não entendi suas razões e passei a considerá-lo um monstro. Chamá-lo de papai do céu era ofender o meu pai. Meu pai jamais mataria Pituca. Aliás, ele a pegou com cuidado, embrulhou no jornal e a enterrou no pé de nossa mangueira. Perto da raiz. Bem na sombra.

Não quis saber de cuidar mais de rato nenhum. Minha mãe teve que dar todos os outros para uma loja de animais. Mesmo porque já estavam nascendo uns bem deficientes. Fruto daquele crescimento descontrolado.

A Mangueira ficou doente. Uma doença sem cura. Semana passada, meus pais, que ainda moram na mesma casa, tiveram que mandar cortá-la antes que ela caísse de tão fraca que estava. Ao ver luz aonde sempre houve sombra lembrei-me de toda essa história. O tempo passou depressa. Quase trinta anos se passaram. Eu e meus irmãos crescemos e agora temos todos a mesma idade. Certas diferenças o tempo apaga. Já a dor da perda, o sentimento de impotência diante da morte… engraçado… bastou eu enxergar tudo mais claro e voltou.



domingo, 3 de maio de 2009

Vegetarianos, zoonazistas e vegano-talibãs


Tudo começou quando meu irmão Tony juntamente com a minha cunhada Luciana resolveram ter um filho. Aprendi em filosofia que a primeira coisa a fazer quando vamos debater um determinado assunto é definir aquilo que será discutido. Sendo assim, vale avisar que aquilo que eu (e certamente você) entende por filho se distancia muito do que o casal mencionado acima acredita que seja. Para esclarecer, posso dizer que o “meu sobrinho” foi adquirido num petshop, tem penas e sabe cantar. Trata-se de uma kalopsita que atende pelo nome de Elvis.

Elvis sempre visita os avós, passeia bastante, brinca de pique-esconde, fica irritado quando está com sono e extremamente alegre quando o pai, que tem muitos pêlos mas nenhuma pena, chega do trabalho. A recíproca dessa alegria é verdadeira. Meu irmão voa para a gaiola dele assim que chega em casa e os dois passam a cantar juntos como se fossem da mesma espécie.

Os filhos mudam a nossa personalidade, isso é fato comprovado. Notícias de pedofilia, por exemplo, hoje me causam muito mais perplexidade que há 15 anos atrás quando eu ainda não tinha vivido a rica experiência de ser mãe. No caso do Tony, notícias como a matança dos perus no Natal e a simples visão de frangos assados girando nos fornos das padarias começaram a ter um efeito nauseante e não demorou muito para que ele abolisse qualquer tipo de ave de sua dieta e passasse a olhar os que não fizeram o mesmo como canibais. Daí para também não comer carne vermelha foi um pulo.

Por conta desse novo estilo de vida ele procurou restaurantes que não oferecessem carnes vermelhas e aves. Aquele papo que “existe gente para tudo” cabe bem aqui. Como era de se esperar, pessoas que têm o hábito alimentar diferente têm uma filosofia de vida que jaz por detrás dessa escolha. Algo que se assemelha (ou quem sabe, se iguale) a uma religião. Assim como temos várias correntes religiosas temos também vários tipos de vegetarianos que se classificam em diferentes grupos. No caso do meu irmão uma dificuldade surge para enquadrá-lo em algum desses inúmeros grupos pois ele ainda come, sem saber o por quê, peixes e frutos do mar. Muitos admitem comer peixes e crustáceos pela falta de inteligência deles. Se fosse assim, como meu próprio irmão falou, esses poderiam incluir muitos homens na dieta, biblicamente falando, é claro. De qualquer forma, para esses não há um grupo com um nome definido, embora exista um monte de coisas como veganismo, crudivorismo, frugivorismo, ovo-lacto-vegetarianismo etc.

Meu irmão mencionou num email que no final de semana passado comeu num restaurante vegano. Vegans são aqueles que não consomem quaisquer produtos de origem animal, seja carne, leite, ovos, queijo, mel, roupas de couro ou de seda, remédios e produtos testados em animais, enfim, absolutamente nada que, de acordo com sua filosofia, provenha de exploração animal. Ao visitar a cozinha, ele viu um cachorro mas ninguém poderia tirá-lo de lá. Afinal, no veganismo todas as espécies têm direitos iguais.

Acho que posso rebater essa seita dizendo que os vegetarianos praticam atos violentos contra os seres vivos da classe "vegetal", com métodos de tortura nada ortodoxos, destruindo e dizimando essa população, com a desculpa que eles são seres vivos que nada sentem - afirmação que fere muito o sentimento dos vegetais, já que estes, apesar de frios e fechados, ainda assim, possuem sentimentos - e para encobrir suas ações tenebrosas sobre os pobres e oprimidos vegetais, eles atacam violentamente uma industria séria e ética, a dizer, a indústria da carne. Mas isso é conversa para boi dormir.


Meu irmão disse que no Centro da cidade tem um restaurando muito louco, fantástico, interessantíssimo e que ele jamais conheceu pois ele nunca conseguiu chegar lá a tempo de almoçar. Tinha que chegar 11:30h cravado. Depois, eles fechavam as portas, todos agradeciam de mãos dadas à mãe Terra, comiam e depois lavavam os próprios pratos somente com água (não podia usar nenhum tipo de sabão). Quer conhecer? Infelizmente não dá mais. O restaurante foi fechado por falta de freqüentadores.

No crudivorismo tudo é cru. Não tem muito o que falar. Mas é no frugivorismo que temos algo realmente bizarro. Já é considerado frugívoro aquele que possui na maior parte de sua alimentação somente frutas e frutos das plantas. A filosofia do frugívoro é não matar ninguém, nem mesmo as plantas. Assim, ele até come os frutos das plantas mas não as mata.

Pensa que paramos aqui? Existe algo ainda mais radical que são aquelas pessoas que tentam se alimentar de luz. Meu irmão tem um amigo assim: o André. Coincidentemente, ele também acha que veio de outro planeta. André está organizando uma festa numa casa que ele tem em Cachoeira de Guapimirim. Nessa festa só podem ir homens e mulheres menstruadas (!!!) e lá eles tentarão fazer contato com seres de outros planetas. Nesse encontro o meu irmão vai de qualquer maneira. Luciana só vai se estiver menstruando.

Na verdade, na verdade, meu irmão só será um vegetariano o dia que peixe virar um vegetal. Observação essa que o deixou muito triste já que ele estava crente que iria se enquadrar no grupo dos ovo-lácteo-vegetariano. Sim, esses são aqueles que roubam o leite dos pobres bezerros para beber no seu café da manhã e comem ovos. O que significa que devoram a vida de animais ainda não nascidos. Uns desumanos esses ovo-lácteo-vegetarianos...

Lydiane, minha irmã caçula, virou vegetariana também e já presenciou pessoas de mãos dadas agradecendo antes de comer os frutos da mãe-Terra. Mas só tem uma semana isso. Tudo começou quando ela leu uma notícia de uma vaca que percorreu 100 km pra fugir do abate... é muito instinto de sobrevivência isso, observou bem Lili. Algumas pessoas se comoveram e pagaram para o quadrúpede viver em um santuário. Desde que leu essa notícia, há cinco dias, Lili não come mais carne. Ao contar isso para o Tony, acho que já pela carência de vitamina B12, ele imediatamente concordou que a vaca tinha mesmo que ir para um santuário porque por causa dela Lydiane parou de comer carne. Acrescentou que a vaca foi muito é inteligente e sacana. Depois de 100km a carne deve ter ficado uma bela porcaria. Dura como um pedaço de chumbo. Depois disso quem é que vai comer a bicha? Só se for um burro bovino-ictio-lácteo-vegetariano que nem ele era antes de ser ictio-ovo-lácteo-vegetariano.

No meio dessa conversa eu, meio insegura do que falaria, disse que pois sim, eu como é muita carne. Se Deus não queria que comêssemos os animais porque fez todos eles de carne??? Como carne preferencialmente mal passada se for de boi, mas como bem passado porco, galinha, peru, rã, cobra, macaco, gato, pombo, paca, jacaré, tatu, carneiro, coelho, cabrito, capivara... como menstruando e sem menstruar. Disse que não agradecia a ninguém mas que tenho a impressão (quase certeza) de fazer alguns contatos extra-terrenos de vez em quando.

Falei pensando que logo depois me encaminhariam para realizar uma desintoxicação alimentar. Ledo engano. Tony disse que no meu caso só mesmo uma sessão de exorcismo.


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Gostou? Então quem sabe você não se divirta com esses também?

Limpando a Cabeça
Freud explica!
O Bem, o Mal e eu com tudo isso