terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Feliz Ano Novo!!!



Adeus Ano Velho!
Feliz Ano Novo!!!

Já que os antigos diziam que fazer a barulheira é fundamental no início de um novo ciclo para despachar os maus espíritos para os cafundós do além, eu que não sou boba de ser racional nessa hora e não encarar a meia-noite de 31 de dezembro como um recomeço. Vou fazer o que faço de melhor: um furdunço daqueles para garantir que nada me falte e para afastar qualquer alma penada mal intencionada que me ronde. E essa é a hora que ninguém me reconhece porque sigo todas as crendices que estiverem ao meu alcance e apego-me a qualquer santo que estiver passando na hora. Oxalá, Jesus! Namumyouhourenguekyou! E aí, meu irmão, sai de perto e me deixa surtar em paz.

Felizmente somos otimistas, pelo menos nos últimos dias do ano.  Ainda bem que não paramos para meditar que na verdade não existe o Ano Bom, pois além de tudo não passar de uma convenção que se diferencia e muito ao longo do globo terrestre, 2012 será um ano como outro qualquer onde o que nos aborrece continuará nos tirando dos eixos e certos obstáculos persistirão intransponíveis.

Depois - ou mesmo antes, - os votos que fazemos a nós mesmos...afe... As metas que estabelecemos deslumbrando um futuro mais produtivo e mais magro, caloricamente falando, começam inutilmente a serem enumeradas. Nesse ano eu vou... Fôssemos nós mais realistas não perderíamos tempo com esses desvarios, pois dos quilos que já possuímos com sorte outros não serão acrescentados e dos planos de cada um pouquíssimos serão aqueles que irão se concretizar.

Mas esse tipo de pensamento não é nada acalentador, não é humano, deprime, enlouquece e não é a minha praia. Então, sublimemos esse amargo discurso. Não vamos abafar nossos sonhos e vamos nos dar sempre (pelo menos uma vez por ano e quando ele se encerra) uma nova chance!

-  Feliz Ano Novo!
-  Pra você também! Tudibom!!!


Desejamos o bem com exclamação porque assim manda a tradição. E fazemos nós muito bem em respeitá-la em prol do nosso humor. Enviamos votos de felicitações àqueles que amamos e àqueles que nada representam para nós porque imediatamente os recebemos de volta e as palavras tem poder! Acreditar que o ano que está entrando será um ano feliz, tal como acreditamos no dezembro do ano passado, faz um bem danado. E se este ano não foi um Feliz 2011, a quem importa agora? Passou. No mais, nada impede aos que nele se esbaldaram como, por exemplo, os corinthianos, de nos desejarem dias mais retemperados ainda. E lá vamos nós abarrotados de boas intenções distribuir abraços e sorrisos para quem está ao nosso lado e bons augúrios para todos os amigos do facebook e da nossa lista de email.

-  Que todos os seus desejos se realizem!!!
-  Os seus também!!!


Da minha parte, estou disposta a esquecer todo o prejuízo que tive por conta de uns malditos pedreiros que contratei em Maio para fazer um terraço aqui em casa. Ficarei somente com a lembrança do Luciano, o primeiro profissional que reveste muro que eu vi lendo na vida e que ficou emocionado diante à minha biblioteca que nem é lá grandes-coisa. Estou planejando muito para o ano vindouro, mas nada impossível. O de sempre. Miguel Pereira em Janeiro, fantasias para Fevereiro, me preparar para as águas de Março... Que possa eu continuar a fazer novamente o que venho fazendo já está pra lá de bom. Que não me falte o samba com os amigos, um bom livro para ler, inspiração para escrever, conversas para jogar fora, vontade de trabalhar, a cumplicidade no lar e o feijão com arroz para comer!

-  Saúde e paz!!!!
-  Pra você também!!!


E para que tudo aconteça nos conformes, há quem não me reconheça no último dia do ano. Tomo banho de arruda, encho a boca de lentilhas, visto-me com roupas brancas, coloco sementes de romã na carteira, troco as roupas de cama, imito índio do velho oeste, dou três pulinhos com o pé direito, subo degraus,  batuco na panela, ando igual chinês em círculos, me viro para Meca, como doze uvas, ponho seis moedas debaixo do tapete, recebo passe, peço a benção, canto pra subir e, finalmente, conto regressivamente bem alto quando o ponteiro dos minutos quase encosta no 12. Caraca! No 12!!! Essa virada promete...


FELIZ 2012, GENTE !!!



segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Defenestra-me?



Antigamente alguns homens olhavam com muita cautela e curiosidade, como fazem aqueles que sofrem de um amor platônico, alguma janela cuja fresta dava-lhes acesso à imagem de alguma moça interessante que se expunha de maneira descuidada. Seja na forma em que a jovem falava ao telefone com as pernas estendidas na cama e que de tempo em tempo levantava uma delas e ficava naquela posição em que as senhorinhas se bronzeiam deitadas sobre uma canga na areia da praia. Seja na forma em que a moça fazia as unhas do pé no sofá de sua sala enquanto via a novela das sete. Ou seja na forma em que escolhia um vestido para ir a alguma festa. Lá estava um apaixonado por esses gestos a observar na espreita a moça à distância de dois prédios. E quando a luz do banheiro se acendia...aaahh, ele ficava atordoado em seus devaneios com a demora do banho e via, em sua imaginação, a mocinha contraindo músculos que ela jamais sequer proferiria.

(Falo somente dos homens porque não faltam nesse mundo das letras poetas e cronistas machos e tarados que colheram da janela da frente inspirações para sua arte. (Mesmo porque homens no banheiro ou vendo televisão, nem nos dias de hoje, inspiram as mulheres para coisa alguma, ainda mais para a arte)).

Mas agora as ventanas são diferentes. Com a invenção do facebook as janelas observadas são as atualizações de status que fazem muitos apaixonados se assemelharem com os de outrora que incitavam a apetência munindo-se com binóculos e até lunetas quando clicam hoje, também no seu anonimato, uma imagem para ampliá-la e contemplá-la como fazemos diante de uma escultura. Embora os tempos sejam outros, os sentimentos permanecem os mesmos e os equívocos se equivalem. Da mesma maneira que uma senhora um tanto convexa do prédio da frente fingia-se irritada por achar que estava sendo espiada por aquele que tinha os olhos fixos na janela – que não era a dela,- não é raro alguém,  mergulhado nessa ilusão comum ao ego negligente, acreditar que está sendo admirado e sentir-se melhor e mais interessante. Por sua vez, assim como a moça de antigamente que enrolada na toalha, fechava a cortina não sem antes dirigir a vista para o 306 do edifício defronte - cujo morador desconhecia a sua existência, - existem aqueles que se expõem para uns e, sem querer, despertam a imaginação de outros. Colocam uma música para agradar os ouvidos de sua amada e quem 'curte' é outra pessoa.

Fosse Carlos Drummond vivo e estivesse antenado numa rede social, como eu estou de cá colhendo material para uma crônica, diante de tantos olhares desencontrados poderia ter escrito outra ‘Quadrilha’. João curtia Teresa que curtia Raimundo que curtia Maria que curtia Joaquim que curtia Lili que não curtia ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes quem nem tinha entrado para o facebook.

Nem só de apaixonados e namoradeiras, porém, as janelas eram e são ocupadas tanto antigamente como nos dias atuais. Há aqueles que somente para espairecer olham, pelos buracos feitos nas paredes, o movimento da rua na esperança de ver algo interessante e se distrair com alguém lá embaixo fazendo algo excêntrico, de alguma pessoa reconhecer-lhe e oferecer-lhe um tchau animado pela coincidência de ambos estarem imersos em pensamento nenhum; de um amigo passar e balançar a mão fechada como um pêndulo apontando o polegar para a boca, gesto universal daqueles que tem sede. Ou ainda, para seu deleite, abrir e fechar os outros quatro dedos restantes mantendo o olhar fixo em você, acenando a necessidade de sua companhia.



sábado, 24 de dezembro de 2011

2012



Aos amigos eu desejo:


A cabeça fria, o pé quente e a mão na roda. A alegria presente, as roupas passadas, as crianças na escola, gavetas em ordem e paz na caixola!  Batucada bem batida, comida boa no prato, o trem no trilho, menos carros nas ruas, banhos de mar, pedalinhos na Lagoa; o Rio. Uma dança lenta e uma Internet rápida. A televisão desligada, o facebook na dose certa, a loucura extravasada.  O colesterol baixo, o salto alto, o misto quente e a água gelada. Atualizações de currículos, menos cecê, mais lá lá lá.


As palavras. O céu, o sol, o sim, a paz. A prosa, o café, o sonho, a rede, o gozo, a folia, o livro, a viagem. Bobiça, sanfona, varanda, paquera, cachaça, macumba, churrasco. Natureza, liberdade. Inteligência. O plástico-bolha.


Sobretudo, aos amigos eu desejo, a permanência.


Ao meu lado.




quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Out-ono



Precisamos buscar abrigo
Na estratosfera?
Porque vocês, verão
Nós? Primavera!







quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Fé na Kátia


Hoje Nara, minha filha de 13 anos, está fazendo prova final pela primeira vez na vida. Ao contrário de seu irmão mais velho Hideo que nem diante de uma possível reprovação perde o sono, Nara entrou em pânico e mesmo tendo estudado muito mais do que manda a cartilha, se julgou incapaz de tirar a mixaria de nota necessária para ser aprovada em matemática. Eis que uma novela mexicana fez-se presente em minha casa desde ontem com minha filha atuando no papel principal. Mãe, me ajuda. Mãe, tô desesperada. Mãe, vou morrrreeeeerrr. Jesuis... Nunca lidei com isso e não tinha a menor noção do que deveria fazer para melhorar a situação.

Atéia por parte de pai, não poderia recomendar que Nara orasse. Por falta de criatividade, reconhecimento, psicologia e quem sabe por falta de Deus eu falei:

- Afe, Nara, para de drama e vai estudar!

 Qual o quê...

- Mãe, eu já estudei tudo! Mãe, eu não sei nada! Mãe, vai me dar branco! Mãe, são 20 questões! Mãe, não vai dar tempo!  Mãe, isso! Mãe, aquilo! – Nara falava numa tal frequência que eu cheguei a temer pelos copos de requeijão aqui em casa.

- Vai ler Crepúsculo!  – Apelei.            

- Mãe, não consigo ler nada! Mãe, fala alguma coisa! Mãe, me acalma! Mãe, blá  blá blá... – e nesse frenesi ela teve um repente e se virou para mim e perguntou – Mãe, você ficava nervosa antes de fazer prova?

Caramba.  Só de pensar em prova me dá taquicardia. Até hoje fico desesperada. Choro. Vomito. Tenho dor de barriga. Ligo para minha mãe de cinco em cinco minutos. Tenho insônia e se durmo, pesadelo. Quando acordo desejo a morte.

- E o que você faz para se acalmar?- Perguntou-me curiosa minha filha, na esperança de encontrar com as minhas sábias palavras a cura para aquela exasperação.

- Ãh? Eu? Eu ligo pra Kátia.  

Kátia trabalhou como empregada doméstica na casa de mamãe e acompanhou toda a minha transformação de menina para mulher. Avisava-me quando mamãe chegava para eu sair do telefone e ir para o quarto correndo sentar-me à escrivaninha que estava cheia de livros abertos. Convencia mamãe a me deixar sair com as amigas mesmo sabendo que eu estava indo namorar escondido. Fritava um ovo e colocava no pão sempre que eu voltava da natação cheia de fome. Ouvia tudo o que eu tinha para dizer para meus namoradinhos antes de terminar o relacionamento com eles. Opinava sempre. Ensinou-me tudo o que eu sei sobre política. Fazia café fresquinho quando eu estava com dor de cabeça. Ensinou-me a não desperdiçar comida. Contava-me piadas sujas e pesadas... e mais um tantão de coisas Kátia fez por mim nessa vida, mas principalmente, em todas as provas que eu enfrentei nessa jornada, Kátia acendeu uma vela para mim e me dizia: “Fique calma, minha filha, a Kátia acendeu uma vela para você. Eu tenho certeza que vai dar tudo certo”. E nem havia mais necessidade de estudar depois disso. Era o lexotan que eu precisava e sempre foi assim.

Os anos passaram, casei-me, e Kátia veio trabalhar na minha casa.  Meu marido, porém, não suportou tamanha dedicação. Kátia se metia em tudo o que devia e não devia. Mandava na gente como se fosse um chefe brabo e surtava com a minha bagunça como sei lá, meu deus, vai entender a cabeça da Kátia...ela escondia tudo quanto é papel jogado pela casa entre meus livros e dizia que era para eu me disciplinar. Proibiu-nos de ter bicho de estimação. Se Nelson me tratasse com pouco carinho, mal ele dava às costas, ela vinha me convencer de que eu conseguiria algo melhor. Kátia não tirava férias porque dizia que amava botar ordem na minha casa e na minha vida.  Eu não sabia mais o que fazer com ela... Acabou que arrumamos uma outra casa para a maluca trabalhar e com uma boa desculpa e muito carinho consegui me desvencilhar desse afeto desmedido e deixá-la até financeiramente bem melhor do que quando trabalhava para mim.

A amizade, porém, continua até hoje e mesmo sem ser a minha empregada e termos perdido muito da convivência por conta disso, as velas da Kátia foram acesas, a meu pedido, em todos os concursos públicos que eu fiz e em todos os congressos e simpósios que eu já participei. E não exagero em dizer, que graças a ela eu cheguei aonde eu cheguei. Nos momentos mais tensos em que eu fui avaliada, antes de começar a falar ou a escrever, a imagem da Kátia acendendo a vela para mim, inexplicavelmente, me dava a paz necessária e que faltou para muitos dos meus concorrentes.

Nara ao ouvir toda essa história questionando se eu não havia tido sucesso porque sempre me matei de estudar e entendendo, ao longo da minha explanação, que o conhecimento é necessário mas, às vezes, não suficiente, pegou o meu celular e começou a ligar convulsivamente para Kátia. Ao perceber que do outro lado da linha o telefone tocava e ninguém atendia, Nara ficou mais nervosa. Eu, ainda desprovida de criatividade, psicologia e o diabo necessário para acalmar minha filha, mas percebendo que Nara não captou a história em sua plenitude, falei:

- Também não sei se ia adiantar no seu caso. A Kátia me ama e acho que isso é essencial para que a macumba funcione. – Abusei da sinceridade e a deixei pensando no quarto.

Hoje voltei do trabalho voando para dar tempo de levá-la para fazer a tal prova bem no meio da tarde. Ao vê-la entrar no carro em câmara lenta e com cara de paisagem sem poluição perguntei se ela estava pronta e preparada. Nara me olhou e disse seguramente que sim.  Contou-me que ontem mesmo, via skype, conversou com os primos de Florianópolis um tempão sobre essa história toda e hoje de manhã, Ian, meu querido sobrinho e afilhado, ligou aqui para casa e disse que ela poderia ficar tranquila. A vela havia sido acesa. Foi o que bastou para Nara recuperar a segurança e sobriedade.

E agora, enquanto minha filha está lá, super tranquilinha e confiante fazendo uma provinha de matemática cá estou refletindo sobre o quão sem importância é essa garantia de acreditar que entendemos alguma coisa. O quanto ‘viver ultrapassa qualquer entendimento’. E que poder incrível qualquer gesto de carinho tem em aquietar a nossa demência, não?


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terça-feira, 29 de novembro de 2011

Pilares


Sempre me esquivei de lugares onde as perguntas não tem respostas claras e busquei freneticamente um chão firme para poder pular corda sem medo de que a Terra se deslocasse pela frequência e pela força do impacto de meus pés. Mas toda busca até agora tem sido em vão e isso tem me deixado um pouco cansada. Em cada canto que amarrei o meu bode o chão tremeu e o bicho escapou sem grandes dificuldades. Estressei-me com a religião por não responder de forma clara a nenhuma pergunta que eu fizesse, desiludi-me com a certeza da matemática após ter sido apresentada ao teorema da incompletude de Gödel que disse e provou ser impossível definir um sistema de axiomas completo que seja simultaneamente consistente. Por tabela, comecei a olhar de lado para a minha física uma vez que esta se assenta fortemente na matemática.  Agora o meu mamífero herbívoro ruminante cavicórneo está amarrado num curso de pós-graduação em Filosofia cujos solos sofrem terremotos constantes. Quando eu vou acertar, afinal? Se houvesse por essas bandas uma montanha dessas da gente subir e ficar lá no topo meditando sobre a vida, refletindo sobre nossas escolhas, buscando respostas para tantas exclamações, descobrindo o porquê de termos percorrido por esse e não por aquele caminho, eu juro que pagaria para alguém ir lá para mim para voltar com a resposta somente para essa pergunta.

Mas agora que eu falei em chão, lembrei-me de algo que ocorreu quando morava em Pilares. Para ter sido ali, eu tinha menos de quatro anos, não sabia ler e nunca sequer havia pisado numa escola. Na verdade meus pais tentaram algumas vezes, mas ao chegar à porta agarrava-me ao pescoço de mamãe e não havia diretora com sorriso falso que me tirasse daquele colo. Então não menti. Nunca havia ‘pisado’ mesmo numa escola. Quando Tata, minha irmã mais velha, saía de mala, mochila e cuia para o Jardim-Escola Pequeno Céu eu ficava brincando com alguns vizinhos sentindo-me segura e feliz por ter mamãe sempre à distância de um berro.

Havia chovido de manhã e o nosso quintal, uma área que era comum a seis apartamentos, estava ainda um pouco molhado com algumas poças d´água, pois, ao contrário do que parecia (e muitos juraram a mãe mortinha debaixo do trem), o chão não era reto retinho retão. No início da tarde, o céu, para a nossa felicidade e graças à simpatia de Carmem que desenhou seis sóis no chão e jogou um pouco de xixi em todos eles, abriu. Após o cochilinho depois do almoço, as crianças começavam a aparecer devagar e, nesse dia, eu fui a primeira a acordar e sair para brincar depois de beber o nescau.

Ao fitar uma poça rasinha, levei um susto. O céu estava no chão. Lá no fundo bem fundo mesmo do chão! Como podia isso estar acontecendo? Se o céu foi parar no chão, o que ficou no lugar dele?  Olhei imediatamente lá para o alto. Não é possível... O céu ainda estava no céu! Olhando para cima e para baixo rapidamente como alguém que está brincando com o jogo dos sete erros, eu constatei, certamente com a mesma surpresa daquele que decompôs pela primeira vez a luz branca, a existência de dois mundos. Um de frente para o outro. Mas algo estranho está acontecendo... Quando aquela nuvenzinha se mexe lá em cima...aquela lá embaixo se mexe também...A imagem era igualzinha! Como pode dois mundos serem exatamente iguais?  Por que só do meu quintal a gente consegue ver isso? Quem é a menina do outro lado? Um misto de curiosidade e medo estavam se apossando daquela criança cheia de quatro anos, mas o primeiro sentimento foi mais forte. Bem devagarzinho e plena de coragem enfiei o meu dedo na poça. Nem minha unha que era toda roída até o sabugo entrou toda. Como pode? Rapidamente, levantei-me assustada com medo de ser sugada por aquele mistério. Vou chamar mamãe para ver isso... Ao  encher meus pulmões de ar para gritar manhê emudeci. Eram vários os buracos rasos e sem fundo no meu quintal! Nóssinhora me proteja... E se eu correr e pisar em um sem querer? Eu queria gritar, mas estava sem voz assim como ficam algumas pessoas quando veem mais que os próprios olhos.

Em pé sozinha no meio do meu quintal, cercada por tudo o que tem uma causa oculta nessa vida e morrendo de medo de cair em um daqueles buracos e mamãe nunca mais me ver, notei Carmelita e Roselita aparecendo naquele pequeno pátio. Vinham as duas correndo com um pedaço de pão recheado de goiabada pisando nas entradas daqueles túneis que vão para o além, esparramando água para todos os lados sem a menor noção do risco de cada passada e de tudo o que estava sendo destruído com aquela tremenda falta de cautela.  Fiz, em vão, um sinal para que elas parassem ou pelo menos tomassem mais cuidado. Em poucos segundos já estava sentindo o cheiro enjoativo de goiaba.

- Olha só o que eu descobri! – Falei eufórica apontando para o reflexo do céu na poça d´água.

As duas continuaram mastigando sem emoção enquanto olhavam para o chão molhado.

- O chão também tem céu! Na verdade, tem dois mundos num só! Tem uma criança ali dentro! Olha!

Porém, enquanto falava o Sol se escondeu por detrás de uma nuvem muito grande de forma que um mundo inteiro havia sumido bem embaixo do meu nariz só restando esse que todos já conhecem. Eu, sem saber ainda das leis que governam o fenômeno da reflexão, interpretei aquilo tudo que aconteceu como um milagre, tal qual a aparição de Nossa Senhora que ocorreu somente para três crianças, Jacinta, Lúcia e Francisco, em Portugal, como mamãe cansava de nos contar e que eu jamais esquecerei.

O céu seguiu nublado e sem chuvas pelo resto da tarde. As poças secaram rapidamente e a minha perplexidade se evaporou junto com a água. Nós andamos de velocípede, brincamos de pique, de amarelinha e acho que até pulamos corda. Mas, a noite algo se condensou. Eu não estava conseguindo dormir e chamei papai.

- Pai, será que aquela criança que me olhou do outro mundo está pensando em mim também? Amanhã você me ajuda a encontrar essa janela de novo no chão? – Indaguei.

Daí, claro, eu tive que explicar tudo para o papai. Ele estava rindo e achando que aquilo era coisa de criança. Papai, por sua vez, teve que explicar muita coisa também para mim já que eu estava angustiada e achando que ele não estava acreditando em nada do que eu estava contando.

Depois, lembro-me de papai falando ‘oyasumi’*  e me deixando ainda no escuro.

Então tudo aquilo que pensei foi fruto da minha imaginação? Nunca mais vou poder ver aquela criança que me olhou assustada do outro mundo? Não houve milagre? Todo aquele medo foi em vão? Aquele vislumbre todo foi porque eu sabia tão pouco?

Dormi chateada pensando nessas coisas. Incomodada por tudo ter se tornado tão pequeno. No dia seguinte, enchi com água meu balde de brinquedo, virei-o naquela ligeira concavidade do chão e chamei papai. Quem me garante que sou eu a menina verdadeira e ela o meu reflexo? Certamente não devem ter sido essas as minhas palavras, mas era isso que eu queria saber.

Papai olhou para o homem no chão acompanhado de uma menina segurando um balde vazio. Não sei o que ele pensou, não sei se ele queria livrar-se de um problema ou prender-me o máximo naquele desenlace. "Ninguém". Foi o que ele me respondeu. Ao ouvi-lo imediatamente espalhei a água para nossa segurança e fiquei feliz por viver de novo num lugar tão interessante.

Não sei por que me lembrei agora de toda essa história, mas algo estranho aconteceu depois de contá-la. Quem sabe a tal da montanha seja plana como uma página em branco de um editor de textos?

Cá estou eu descansada, caminhando saltitante com o meu baldinho cheio d´água e indo afrouxar o nó que dei ao amarrar o meu pequeno mamífero ruminante.

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* Boa noite em japonês


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quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Em luta pela dignidade humana!


Acordei diferente. Hoje será a passeata contra a redistribuição dos royalties da exploração do petróleo e eu decidi na segunda-feira que não posso morrer sem participar de uma passeata. Sinto muita inveja daqueles que já desfilaram com a cara pintada ou apenas gritando algo de cara limpa mesmo no meio de uma multidão. Muito lindo as pessoas andando com os braços direitos levantados e punhos fechados que se movimentam no ritmo de brados retumbantes, segurando faixas, cantando Geraldo Vandré...nossa, acho isso o máximo e sinto até vergonha de nunca ter feito nada parecido. Mas resolvi que seja lá o que forem esses royalties, eles são é nossos. O Rio é nosso! O petróleo é nosso! Abaixo a injustiça!!! Se o impacto é nosso, os royalties também! Vou arrebentar nessa passeata. Estou até me vendo fazendo parte da história. Maneiro.

Senti, porém, pela manhã um desconforto semelhante ao que experimentei na minha abençoada infância quando comungava sem antes me confessar. Precisava resolver uns probleminhas para ir com a consciência tranquila lutar por esse Rio maravilhoso. Ter me lembrado disso hoje me deixou até feliz, confesso. Moro, no entanto, no subúrbio carioca, na parte calma de Madureira. Tenho umas multas para pagar e o Itaú mais perto do meu domicílio fica em Cascadura. O panorama não era dos mais animadores, ainda mais sabendo que não há mais estacionamento em lugar algum do planeta quanto mais em Cascadura. Restavam-me duas opções: ir de ônibus ou ir a pé. Julguei que uma caminhada me faria bem. Precisava me preparar fisicamente para a tarde.

Saí de casa às dez. Entupi-me de protetor solar e lá fui eu com a honra daqueles que não se envergonham dos seus erros e os reconhece sem orgulho, é claro, perante seja lá quem for. Com uma multa vencida por andar na faixa de ônibus em plena avenida Brasil (sem querer), com várias taxas de incêndio atrasadas desde 2009 e mais tantos outros pecados que couberam entre as folhas de um livro de Rubem Braga, caminhei com meu nariz em pé e protegido do Sol. Atravessei aquele viaduto todinho pensando em como o Rio precisa de mim e questionei como esse pobre subúrbio vai sobreviver sem esses Royalties... A falta de beleza dessas bandas nunca me fez sentir tão bem disposta.

De casa até o Itaú, ‘o banco do Rio’, eu vi tanta coisa... Eu vi uma mulher procurando o isqueiro na bolsa com o cigarro pendurado na boca enquanto esperava o trem na estação, eu vi um homem sentado todo agasalhado debaixo do sol e bem no vão central do viaduto, eu vi uma mulata bonita de cabelos longos e de salto alto sorrindo quando os homens da construção fizeram fiu fiu. Vi três pessoas vestidas de iogurte, puxando um carrinho-iogurte vendendo iogurte no saco a uma bagatela de centavos. Eu vi um carrinho de mão cheio de aipim-manteiga na calçada, vi uma mulher vestida de branco que media a pressão por um real. Vi o bicheiro. Vi um açougue cheio de carne pendurada, um coelho pelo avesso também suspenso, e vários frangos assando dentro desse mesmo estabelecimento. Vi uma loja fedorenta de artigos de macumba. Vi a imagem do capeta. Vi uma churrasqueira feita de um tonel por duzentos e noventa e nove reais. Vi um homem com um saco preto enorme de lixo cheio de bucha dentro. (Cinco buchas dois real). Vi o Natal no Amigão. Vi um senhor que conserta panela de pressão sentado consertando uma pipoqueira. Vi duas senhoras com óculos conferindo o troco na porta de uma farmácia. Vi várias pessoas acima do peso comendo pastel e bebendo caldo de cana. Vi dois chineses. Vi vários senhores na praça jogando cartas e conversa fora. Vi crianças também na praça matando aula e mexendo nos celulares. Também na praça, vi um menino no balanço, descalço e com um vidro de cola em uma das mãos. Vi um punhado de coisa nessa praça. Vi umas roupas secando no banco (da praça). Procurei o dono daqueles parcos trajes. Não o vi. Vi uma mulher que fazia artesanato nos panos de prato. Bordava o nosso nome em vinte minutos, um troço de doido. Vi muitos pombos e nenhum passarinho.

Enfim, vi o Itaú.

Até aí, eu estava super animada para lutar contra a injustiça e em defesa do Rio. Mas...

Entrei.

Fiquei quarenta minutos na fila, li seis crônicas do Rubem Braga e quando cheguei no caixa, a moça de unhas decoradas me falou que eu teria que tirar uma segunda via da multa vencida no terminal eletrônico lá embaixo. Fui lá embaixo. Toquei a tela várias vezes e consegui. Apertei sim quando a máquina perguntou se eu queria impresso. Tirei o papel. Subi. Esperei mais um tanto. Quanto ao outro documento, eu teria que conversar com a gerência lá embaixo, disse a moça de unhas decoradas e de cabelos alisados. Fui lá embaixo. Dirigi-me até o local onde cinco mulheres bem vestidas trabalhavam em mesas bem grandes. Li mais cinco crônicas. Desisti de ler. Fui mandar mensagens no celular. O guarda brigou comigo. Não pedi desculpas e ainda passei a frente de duas velhinhas que estavam na fila conversando e nem perceberam que foram chamadas. Perdi a noção. Peguei a porcaria de um número com a gerente que estava com uma bolsa certamente falsificada da Louis Vuitton na mesa. Subi. Aguardei mais um tanto assim de uma crônica e meia. A moça de unhas decoradas, de cabelos alisados e de sobrancelhas ultra-finas disse agora tá tudo certo. Olhei bem dentro daquelas lentes de contato coloridas. Senti necessidade de urrar. Tive vontade de jogar um balde d´água naqueles cabelos.  E eu também queria chutar as mesas e jogar todas as cadeiras longe. Precisa falar um tantão de palavrão aos berros. Visualizei os estudantes da USP me ajudando a quebrar tudo aquilo. Tentei sair de lá correndo e fiquei presa na porta giratória na saída! Tive que mostrar as chaves, o celular interdito e aaaaah como eu queria mostrar uma arma.

Fiz sinal pro ônibus e ele passou direto. Voltei andando, ou melhor, voltei correndo. Era mais ou menos como se tivesse apertado a tecla 'voltar' de um controle de DVD na velocidade 4x. Saco de bucha, homem-iogurte, bonecão do capeta, bicheiro, mulher de branco, mendigo, chinês, Natal no Amigão,... aquele pesadelo todo de novo.  Nem  o pedaço de madeira preso no asfalto com pregos para consertar um vazamento fez-me mudar o meu novo foco que está agora no meu umbigo. Precisava me isolar o mais rápido possível e evitar todo e qualquer contato social.

Agora? A minha luta agora será para resgatar a minha dignidade!  E isso não se faz de uma hora para a outra.

Paciência. Não será hoje que farei parte da história. 

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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Gestação


Lá estava Juliana caminhando em direção à central para pegar o trem das 16:50h. Vinha sem pressa, sem ambição, sem desespero e também sem raiva embora, no fundo de seu coração Juliana carregasse, como todos, uma certa incompreensão sobre algumas coisas que acontecem no mundo e  sobre outras que não se realizaram. Principalmente com ela. Juliana.
Vinha a moça portando seu útero inútil e uma bolsa que dentre outras coisas trazia uma marmita vazia, um livro de Paulo Coelho e um batom que ela já não via mais necessidade de usar, mas  que carregava por precaução, pois a esperança é assim. Como uma maquiagem sem utilidade guardada na bolsa de Juliana que em nada contribui para a beleza desse mundo. Vinha com a humildade de uma a criança descalça que pede para a gente alguma moedinha. Ia como tantas mulheres que vem e vão por todas as calçadas, que já tiveram dias vividos com os nervos expostos e incontáveis noites sem sonhos e sem gozo.
Andava com seus passos sem importância e sem marcação. O tempo de viagem para casa não era contado regressivamente por ninguém. Seguia, portanto, com a força da conformação, semelhante aquela que nos empurra para o cinema e que nos permite o riso mesmo após termos lido uma notícia de um crime hediondo nos jornais.
Voltava para casa essa Juliana como voltam as Marias e as Lúcias da Igreja. Com a falsa leveza conquistada ao preço de alguma parca penitência. Seus cabelos estavam soltos como seus pensamentos. Preocupava-se com uma conta atrasada, comprou pipoca doce, olhava para algumas bijuterias expostas por um chileno e achou a blusa daquela senhora muito bonita.
Trazia consigo seus quarenta anos, a disposição para viver mais trinta e uma vontade muda de fazer alguma coisa bem excêntrica.
Foi então que aconteceu.
Esperando na calçada o sinal fechar para poder, enfim, após metros de insípidas divagações, atravessar a Presidente Vargas, Juliana viu dentro de um táxi que acabara de parar quase em cima da faixa de pedestres, um menino de aproximadamente cinco anos que a olhava. Juliana se assustou. O menino sorriu e mostrou-lhe a palma da mão dando-lhe um tchau como vinha fazendo para todos que o notavam desde que saiu de casa. Juliana, tão indiferente para o mundo e tão insuficiente para ela mesma, interpretou aquele gesto como um doce olá dado somente por aqueles que se conhecem e se reconhecem no meio de uma multidão.
Juliana sorriu e enquanto seus lábios ganhavam um novo formato, levou às mãos ao ventre e lembrou-se de Pedrinho, o nome dado ao fruto de uma gestação de três meses que não perseverou por problemas hormonais jamais solucionados. Retribui a moça aquele cumprimento - mal sabia ela - indiferente com a inércia de seu corpo ou - que diferença faz?,- com a sua própria alma.
        As pessoas a empurravam ou simplesmente se desviavam da Juliana do mesmo modo que se desviam de um poste para cruzar a avenida. Resistente a insensibilidade e a desatenção dos transeuntes, o olhar dessa Juliana mantinha-se fixo naquela mãozinha, o seu coração infértil disparava, suas pernas tremiam e as buzinas emudeceram.  Aqueles segundos de sinal fechado tiveram, para essa senhora, a densidade das horas.
Ao ver o automóvel partir, Juliana correu desesperada na tentativa de sei lá, meu deus. Nada mais incompreensível do que a dor de uma mulher vendo um álbum de belas imagens fotografadas de seus tantos devaneios ser levado por um táxi.
A impura poeira do asfalto tratou de enegrecer o corpo e os sonhos desta pobre moça. Coube ao ônibus 373, impetuoso e desatento, como todos aqueles que viram e veem tantas Julianas, dar fim a essa história.
 
 
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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Parados na Estação


Sempre tive algumas divergências com o Nelson ao longo de uma convivência intensa de mais de duas décadas. Algumas são corriqueiras que em nada afetam nem o meu norte nem o zigue-zague cambaleante nas veredas que meu marido percorre. É o caso, por exemplo, da opinião de um filme ou de uma música. Marina, morena Marina você se pintou é horrível. Só de ouvir fico com vontade de esganar o aparelho de onde essa música esteja saindo - mesmo que este seja as cordas vocais de meu bem. Você tem que vir comigo em meu caminho e talvez o meu caminho seja triste pra você... comigo não, violão! A mulher que acha essa música linda e romântica não pode jamais reclamar de maus tratos! João Bosco é nojento! Compõe muito bem, mas vai cantar com aquelas caras e bocas longe de mim! Arghf. Enquanto a Bola não rola não rola! e Matrix foi um dos piores filmes que já vi nessa encarnação! Coisinhas assim que vivo dizendo com muitas exclamações que refletem toda a força de minha opinião e que ele nem discute, pois sabe que a porta está completamete fechada e que atrás dela jaz um coração peludo. Nada, absolutamente, nada demais. Porém, há outras que me fazem parar um pouco esse trem e descer com ele numa estação qualquer só para refletirmos sobre o rumo dessa viagem. E será sobre uma delas que divagarei.

Quando éramos muito mais jovens não somente os tempos eram outros, mas O Tempo corria muito mais lentamente (como ainda hoje ocorre com a juventude dos nossos filhos). Pensávamos que a vida oferecia uma perspectiva infinita e nos sentíamos sempre desassombrados em relação à solidão acreditando que estaríamos a todo e qualquer momento reunidos cantando, bebendo e jogando conversa pela janela com aquele mesmo grupo. De repente, porém, percebemos que não vemos um primo querido, um tio engraçado e alguns dos amigos (que quiçá até foram inimigos! (mas hoje o que importa?)) há dez, quinze, meodeos...vinte anos atrás! No momento dessa impressionante constatação e diante de uma possibilidade promovida pelo facebook de rever o grupo da escola e dançar com eles ao som das mesmas músicas que outrora movíamos nossos corpos de modo inovadoramente cadenciado para a época, soltei fogos e dei cambalhotas de tanta animação. Nelson sentiu algo completamente diferente do que fez meu coração acelerar por conta da endorfina liberada pelo convite. Achei isso muito estranho porque estudamos na mesma escola e nossos amigos sempre foram os mesmos com algumas poucas exceções.

Pára, maquinista!

Nelson tem lá suas razões e as expôs do seu jeito paciente na esperança que eu aceitasse como natural algo que inicialmente para mim seria inconcebível: não querer rever velhos amigos. Ele entende que há algo que não se pode redimir nas separações. Para ele, jamais voltaremos a estar juntos, pois quando nos revermos, perceberemos que fomos separados por uma distância medida em anos. Transformamo-nos demais.  Poderemos falar, dançar, brincar; mas não estaremos nos 'reencontrando', pois seremos outras pessoas. Estranhas umas para outras. O amigo, que eu me animo em encontrar, se perdeu com essas tantas rotações da Terra que fez o tempo ficar tonto e leviano. Por isso, Nelson prefere usar esses minutos, cada dia mais preciosos, com pessoas que ele ‘conheça’ de verdade.

Mas terá razão essa feroz lógica de meu amor? Sim, há razão. Não podemos negá-la. E eu, infelizmente, não tenho argumentos tão coerentes quantos os do meu marido para discutir e por isso silenciei-me. Sinto, porém, um ligeiro e pungente desconforto. Há razão. Mas... não há paixão. Ao ouvi-lo, senti que a vida vista assim parece absurdamente triste. É necessário levar todas as coisas para o campo-santo? Eu imaginei rever pessoas voltando de longas viagens, ricas de muitas histórias e com conversas portentosas de tanta novidade. Concordo que para sentir a mão do outro precisamos agarrar ambos a uma velha ninharia e o momento ‘se lembra quando...?’ será inevitável. Mas não percebo que estamos falando de pessoas já falecidas, de um passado enterrado ... porque se assim for (ando ainda pensando) para que viver? Por que amamos tanto um dia e para onde vai a nossa afeição aos novos amigos? Não há sorrisos verdadeiros e muito menos gargalhadas destemidas num presente desvinculado do passado, meu bem. Precisamos todos reencontrar a liberdade sadia de outrora para percebermos que ela não se perdeu e não se perderá jamais.

A conversa não terminou com uma das partes mudando de opinião, como ocorreu em tantas outras paradas desse comboio. Nelson deve ainda estar pensando, mergulhado em tanta necrologia, que quando outros o virem, terão uma miragem de um náufrago fazendo um apelo. Quanto a mim, acho que não convém pensar muito mais no assunto, pois a vida é curta e, enquanto pensamos, ela se esgota. Por isso, dou agora um fim a essa amarga tolice sem nem ao menos um ponto final

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terça-feira, 4 de outubro de 2011

O Bem, O Mal e Eu com Tudo Isso.


Pensei muito se deveria compartilhar essa história. Afinal, muitos podem se afastar de mim depois de ouvi-la ou pior, por curiosidade e por preocupação se aproximar. Mas fato é que certos acontecimentos na vida são como um bolo de aniversário que só cumpre seu destino se for dividido entre amigos. Então, não vejo outra opção senão contar a vocês o que aconteceu comigo na semana passada, mesmo sabendo que as consequências dessa partilha podem ser desastrosas.

Era para ter sido uma segunda-feira como tantas outras. Marilene viria até aqui em casa fazer as minhas unhas no início da tarde e depois disso eu voltaria para meus livros para continuar minha pesquisa sobre o desenvolvimento da física no século XVIII. Como ocorre em todas às vezes que nos vemos, perguntei sobre como anda a vida e a sobrinha de minha manicure enquanto minhas cutículas eram subtraídas pelo ligeiro alicate.

- Como vai a vida, Marilene? Lorena vai bem?

- Lorena está cada dia mais abençoada. – Marilene, como ela mesma me explicou, é de Deus e quem é Dele responde assim quando a pessoa vai bem. No entanto, parece que a benção tinha sido mal dada por esses dias e Marilene continuou. – Mas, ela anda com diarréia e vomitando.

- Desde quando? – Perguntei preocupada lembrando do rotavírus que Yuki pegou esse ano e que quase o desidratou em um dia.

- Desde que apagou a vela da macumba semana passada. Eu e Janete tava conversando numa esquina e quando vimos ela já havia soprado a vela. Para você vê. Como criança é ingênua. Não percebe o mal que pode causar mexendo nessas coisa.

Eu cansei de ouvir bobagens desse tipo da Marilene e sempre dizia hum hummmm para não me estender no assunto. Nós, ateus, agimos estranhamente com as pessoas religiosas respeitando o que elas tem de sagrado. A nossa descrença por esse motivo é muitas vezes silenciosa.  Evitamos um confronto de ideias para não machucar ou tirar o chão de quem vive em "solos firmes".

O problema é que agora envolvia a Lorena e eu não me contive.

- Marilene, ingênua é você! Essa menina precisa ir ao médico! Já ouviu falar em dengue, vírus, rotavírus, hepatite, meningite e patati patatá? – Eu falei patati patatá porque eu não me lembrava mais nome de doença nenhuma.

- Você não acredita no Diabo não, Elika? – Marilene segurava o alicate em riste, mas eu só pensava na Lolô doente e não me intimidei.

- Marilene, eu não acredito em Deus vou acreditar no Diabo? Olha aqui, eu vou te dar um soro com sabor de tutti frutti para você dar para a Lolô e você vai fazer assim assim e assim! – Na verdade assim assim e assim pode ser substituído, na cabeça do leitor, por um discurso surreal sobre o que acontece com as crianças que não vão ao médico quando mexem com a macumba de terceiros.

A unha ficou com a graça de Deus muito boa e Marilene foi embora depois de ter me prometido que cuidaria da Lorena direitinho.

Voltei rapidamente ao trabalho no meu escritório, mas percebi que algo estranho acontecia. Eu tinha que fazer uma força descomunal para manter meu livro aberto. A mesma que fazemos quando passamos pelas portas que foram feitas para ficarem fechadas. Se perdermos o contato, elas se fecham sozinhas. Jamais uma obra impressa aqui em casa se comportou com tamanha antipatia. O que estava acontecendo com o Cassirer? Ao forçar a leitura novamente, o livro pulou da mesa e caiu todo aberto no chão. Abaixei-me rapidamente para apanhá-lo e na primeira tentativa ele escapou de minhas mãos parecendo um peixe ensaboado. Estranho... Tentei de novo. Foi, então, que vi algo parecido com as patas traseiras de um cavalo aparecerem de repente ao lado do livro estatelado no chão. O meu olhar foi subindo lentamente acompanhando aquelas pernas cobertas com pelos vermelhos donde já se via uma capa também rubra por trás delas que deveria estar amarrada no pescoço, ainda longe do meu campo visual. Continuei vagarosamente a aumentar a distância entre o meu queixo e meu colo. Passei pelos joelhos que eram meio de gente meio de bicho, pelo sexo coberto por uma sunga preta, depois pela barriga muito parecida com essas que vemos em modelos masculinos que fazem propaganda de cueca em outdoors e, finalmente, cheguei ao rosto que possuía dois chifres na testa.

Eu estava diante do Capeta.

- Vade retro, Satanás! – Gritei, por reflexo, essa frase católica medieval.

Confesso que me deu um certo medo ao olhar diretamente por aquelas íris felinas, mas também estava muito preocupada e irritada com o estado que o Diabo havia deixado meu livro que nem sequer ainda estava em minhas mãos.

- Que história é essa de você não acreditar em mim?- Perguntou-me o Belzebu com um bafo de onça.

- Ora. Deixe de conversa besta!- Falei após pegar rapidamente o livro no chão e começar a  ajeitar as folhas amassadas pela falta de cuidado com que ele havia sido arrancado de mim e arrastado por todo o piso do escritório.

- Há o Bem e há o Mal. Isso é tão claro, Érika, que fico possesso quando vejo alguém que despreza essa diferença! Quem você pensa que é para ainda ficar falando pros outros que Eu não existo?

Dei as costas pro Diabo.

- Você é uma ignorante, menina! - Satã falava com ardor.- Você não sabe nada de mim e fica me desprezando! Pois eu vou te dizer, eu fiz uma revolução contra Deus, tá? Perdi? Perdi! Fui vencido? Fui! Mas NUNCA mais O afrontei de novo! Agora? Eu estou doido para derrotá-Lo!  Você vai ver, Erika. Vou expulsá-Lo do paraíso. Ele e todos aqueles anjinhos sem-graça! E aquelas virgens infelizes! E daí, Erika, você vai ver que EU existo pra valer! Você vai ver as atrocidades que hei de cometer! – O Diabo estava cada vez mais irritado com meu desprezo e começou a falar mais alto. - Você é uma idiota, Erika! Você conhece por um acaso o meu passado? Eu era o mais inteligente da minha turma, o mais bonito, o mais amigo, o mais tudo, sabia disso? E Ele que me expulsou. Aí foi o Seu erro porque eu estudei mais ainda, corri por fora como vocês dizem e estou pronto de novo para uma nova guerra!

- Lucífer, deixe de ser chato e burro! Mas se quer fazer isso eu te pergunto: o que você acha que vai acontecer depois? O que você pensa em fazer com as pessoas que dedicaram a vida  à Deus?

- Vão todos pro inferno para deixarem de ser imbecis! Tomarei conta do paraíso, substituirei os anjinhos pelos capetinhas e as santas pelas mais belas putas! Daí você verá a diferença. - Respondeu-me sem pestanejar.

- Reflita um pouco, seu Demônio. Olhe o mundo ao seu redor! Se existe o Bem e o Mal, como você afirma, e se houve briga no passado... o vencedor foi Ele? Se Esse Deus fosse bondoso e todo-poderoso por que não fez exclusivamente o bem?  Como podemos justificar o câncer, os micróbios, a difteria e milhares de outras doenças que atacam as crianças? Já contou a quantidade de pedófilos nesse mundo? Quantos inocentes morrem por causa dos ciclones, dos terremotos, da pestilência e da fome? Jamais considerarei bondoso um ser que, tendo poder de criar um mundo sem dor, cria deliberadamente o contrário!

- É, pensando bem... – Refletiu Satanás - se ele deixou a Amy Winehouse que tinha uma voz divina chegar no estado que chegou... Imagina com o resto. - Delirou. - Mas eu vou assumir esse volante e vamos ver se você não acreditará no Meu potencial, sua incrédula ridídula!!!

- E você acha que tomando o poder vai fazer melhor do que isso ou vai conseguir piorar essa situação? Acha que vai mudar alguma coisa? Pois saiba, seu Satã, que nada vai mudar.

- Farei novas leis, sua idiota. Aliás, nem vou precisar. Só trocarei nas leis que estão em vigência, o sim pelo não e o não pelo pode.

- E a idiota sou eu? O povo continuará desobedecendo  ou  se confundindo mais ainda com essas regras, não percebe? Veja os Dez Mandamentos! Parece claro para você? Pois, então, me responda, Satã: eu deveria honrar a vontade de meus pais se eles me pedissem para quebrar algum dos outros mandamentos? Posso roubar para prevenir um assassinato? É certo quebrar o sábado santo ou mentir para salvar a vida de alguém? Se fizer novas regras ou modificar as que já existem tudo vai continuar na mesma. O bem e o mal serão sempre relativos!

O Demônio ficou olhando pro teto com a mão no queixo pontudo. Depois de uma longa reflexão, falou:

- Puxa, eu estava tão animado. Agora estou confuso...você acha mesmo que a minha luta será em vão? Acha mesmo que não devo tentar? O meu exército estava com uma animação do capeta! Pronto para a Guerra, Érika. Acha que devo dispensá-los depois desse trabalho infernal que tive? O que eu faço agora, Érika?

- Quer saber? Faça o que você quiser, faça o diabo a quatro, vá pro diabo que te carregue, mas me deixe estudar pelo amor de deus!

Belzebu percebeu que havia perdido seu tempo comigo. Bufou descontente. Foi para a janela do escritório, ajeitou a capa como se estivesse preparando para alçar vôo.

Percebi, então, que aquele pobre-diabo tinha mesmo esperança de modificar alguma coisa nesse mundo. Assim como os monges budistas. Quem sabe ele tem razão? Quem sabe há o Bem e há o Mal? Quem sabe o que realmente está acontecendo com o mundo? E ainda, como cansa de me lembrar o meu orientador: Quem sou eu para afirmar alguma coisa?

Antes que ele fosse embora precisava tirar isso tudo a limpo.

- Espere, Satã, por favor. Preciso saber de uma coisa.

- Fala, querida.- Disse ao virar somente a cabeça em minha direção.

- A vela que a Lorena apagou ... tem alguma coisa a ver com tudo o que ela está passando?

- Vela? Que vela, Érika?

- Esquece. Pode ir.

Mesmo com a capa toda aberta não o vi voar. Pelo contrário. A gravidade atuou no coitado como atua numa pedra. Ouvi lá de cima um barulho de algo pesado se chocando com o chão. Coloquei imediatamente o pescoço para fora da janela e olhei para baixo. Vi somente meu cachorro olhando assustado para mim.

E foi exatamente isso que aconteceu.

Eis o pedaço do bolo de aniversário que te ofereço hoje. Perdoe-me se não coloquei a cereja.


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terça-feira, 27 de setembro de 2011

Retrovisor


No meio da redação de uma tese em filosofia cometi um deslize imperdoável. Guiada somente pela intuição acreditei que para entender o que os filósofos do século XVIII discutiram era necessário assimilar o conhecimento que eles possuíam e, portanto, comecei estudar os filósofos do século XVII que por sua vez discutiram várias ideias de seus antepassados e para entendê-los, achei eu que precisaria ter acesso aos livros escritos no século XVI que por sua vez... durante esse movimento desenfreado de marcha-ré, a introdução da minha tese estava parecendo o gênesis. No princípio Deus criou os céus e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo. E disse Deus: Haja luz; e houve luz... Eu estava descontrolada. Por telefone meu orientador me tirou desse pesadelo assim que soube, por email, que eu estava disposta a só andar para frente quando chegasse à Adão e Eva.

“Se eu quisesse te conhecer melhor e pedisse uma descrição minuciosa a seu respeito para os seus pais, eu poderia estar seguro de que te conheceria com o que ouvisse de seu pai e principalmente de sua mãe? Se eu perguntasse para todos os seus ancestrais sobre você, conseguiria eu abarcar a sua personalidade? Então, me poupe. Nos vemos na semana que vem. Até lá não leia mais nada para não se complicar mais.”

Teoricamente eu já sei de muita coisa. Inclusive eu sei que depois da História formalmente ter se estruturado como um campo de conhecimento, muitos dos historiadores se preocuparam com a ordenação cronológica dos fatos, que era uma das formas possíveis de organizar todos os documentos, e que acabou sendo a dominante, pois quase sempre permitia a estruturação causal explicativa. Contudo, as transformações econômicas, políticas e culturais do século passado romperam com as estruturações históricas uniformes, hierarquizadas e muitas vezes até preconceituosas. E então, a História passou a ser diferenciada: Qual é o passado que cada grupo social valoriza? Dessa forma, ele (o passado) deixou de ser único, unívoco e, principalmente, explicativo mesmo para uma mesma sociedade. Ou seja, existem n maneiras de se contar um fato e para cada efeito cabe ao historiador escolher a causa. Segue-se disso uma grande conclusão: quem olhar para trás na esperança de entender o presente pode estar cometendo um grande equívoco.

O problema é que isso tudo é muito contra-intuitivo e eu esqueço toda hora esse blá blá blá. Ainda mais agora depois de ter percebido que mesmo seguindo por caminhos muito diferentes eu e meu primo Marcos temos muito em comum e isso é certamente pelo fato de nossas mães serem irmãs. Óbvio. Mais ainda: andei me impressionando de verdade ao ver como papai fica bem nas fotos que ele tem mandado lá do Japão.
-Alô, prima! Vou ao Rio ver o Elton John e vou aproveitar para ver vocês! – Deveria não ser nessa ordem, primeiro eu depois o Elton John, mas tudo bem. Dei gritos de alegria assim que desliguei o telefone.

Marquinhos casou-se ao som de Skyline Pigeon, é filho de tia Neusa, irmã de mamãe e nos víamos muito quando éramos crianças e nossos avós, vivos. Quase todo final de semana, meus pais  carregavam eu e meus irmãos sem cinto de segurança até Itajubá, terra natal de mamãe, para que dona Ruth não sentisse tantas saudades nessa vida. Andei muito de bibicleta com meu primo! Jogamos war por várias tardes, conhecemos algumas cachoeiras na estrada que liga Itajubá à Maria da fé, brincamos por várias roças das tias e primas de nossas mães, ouvimos várias vezes vovô tocar violão ao lado do tio Sebastião, vimos vovó fazer manteiga e iogurte e conversamos muito com nosso tio Levi. Por outro lado, papai trazia também sem cinto de segurança e na parte de trás da Belina vários primos para conhecer o Rio. Marquinhos vomitava em cima da gente em plena Serra da Mantiqueira. Ele passou muitas férias na casa dos meus pais que não mudam de endereço há quarenta anos. Papai levava a gente ao Cristo, ao pão de açúcar e à praia e à praia e à praia que era nosso passeio preferido. Marquinhos conheceu e brincou muito com a Laica, a minha collie e eu somente conheci o Astro, o pastor-alemão dele que era muito brabo e quase mordeu mamãe um dia.

E aí, o telefone tocou e era dois mil e onze.

Eu e Marcos passamos uma semana juntos depois de mais de duas décadas sem nem ao menos trocar uma palavra. Vimos juntos a primavera chegar! Tudo culpa do Elton John. Assim que  Marquinhos soube que ele viria para o Rock in Rio resolveu tirar uma semaninha de férias e se despencou do cerrado com toda a sua família para cá. Conheci, então, novos priminhos, ganhei uma prima maravilhosa de quebra e passeamos pelo Rio de Janeiro até onde a disposição permitiu. Conversei um tantão de coisas assim com o primo e fiquei extremamente impressionada com tamanha sintonia! Papai só não nos acompanhou dessa vez porque está a um diâmetro terrestre de distância mandando fotos super interessantes e incrivelmente belas ao lado dos amigos de faculdade e de tias que jamais conhecerei. Papai lá na terra do Sol Nascente também tem se emocionado um bocado.

E aí tudo se fundiu na minha cabeça. Meu Orientador, me perdoe, eu pequei: Passei a dirigir olhando somente para o retrovisor acreditando que o que visse através dele bastaria para andar de forma mais segura para frente. Tive a nítida impressão de que o presente é o que é por conter várias partículas do passado. A fulgente noção linear do Tempo, que se percebe numa continuidade única de Passado-Presente-Futuro, apossou-se da minha cabeça. E, de repente, era como se eu estivesse dirigindo em direção a algo. Como se estivesse guiada por alguma coisa. E eu quis uma explicação clara sobre mim mesma e uma tese completa e linda com dois milhões de folhas! Fiquei impressionada com aquele tufão seguido de terremoto no Japão no dia em que papai estava chegando. Meu pai não é fácil e acho que o retorno dele à minha pátria-avó gerou uma certa instabilidade por aqueles solos. Fly away, skyline pigeon, fly! Viva Elton John!!!! Papai causou um tufão!

“-Se eu quisesse te conhecer melhor e blá blá blá...”

Então, mais uma vez na minha vida de repente, não mais que de repente, fez-se de sozinho o que se fez contente, do amigo próximo o distante e da tese uma aventura estressante.

É.

Meu orientador tem razão.

Pensando bem... Papai fica bem em todas as fotos e se fosse ele que tivesse causado aquele terremoto e o tufão, aqui no Brasil teríamos sentido alguma tremedeira no chão quando ele estava desse lado.  E depois também, eu e Helena, a esposa do Marquinhos, descobrimos várias afinidades e ela nem é filha de alguém que minha mãe conheça... 

Meu orientador tem razão, mas está no Chile.

Marquinhos já foi embora, meu pai a essa hora  deve estar dormindo em Tóquio e eu? Eu acho que não tenho jeito não. A única forma que vejo de conseguir  redigir alguma  coisa dessa tese é começando pelo capítulo 273. Hoje, de novo, levei um susto danado com a harmonia mais que perfeita da imagem do rosto de papai imerso nas paisagens nipônicas  e ri sozinha lembrando da priminha Letícia. Ô menina parecida com a tia Neusa!